As pessoas veem o seu filho como você mostra. Esse foi o maior ensinamento que a vida me deu há três anos, desde o nascimento da minha primeira filha, a Isabela.
A gravidez da Isa foi super planejada. Sempre desejei muito uma filha, uma Isabela, e, por isso, cuidei de cada detalhe e aproveitei cada segundo.
Fiz todo o pré-natal, os ultrassons e todos os exames necessários. Estava sempre tudo bem. Tudo perfeito.
Os médicos identificaram apenas que ela teria um pezinho torto. Chorei muito quando soube disso, porque tinha medo de que ela fosse rejeitada na escola. Mas, até aí. Era só um pezinho torto.
Fui para a maternidade. Correu tudo bem no parto. Em poucas horas, meu marido e eu já estávamos com ela nos braços. Realmente, ela tinha um pezinho torto e os olhinhos um pouco distantes um do outro. Não percebi nada, além disso.
Passamos a noite com ela. Tudo tranquilo. Uma criança calma, amorosa, carinhosa e inteligente.
A descoberta
No dia seguinte, a médica chamou meu marido para conversar e disse que nossa pequena tinha grandes chances de ter Síndrome de Down. Meu esposo se assustou.
Claro, não tínhamos ninguém com Down na nossa família e, na maioria das vezes, é assim que pensamos.
Ele entrou no quarto para me contar, mas não conseguiu. Em seguida, veio a médica e me passou o mesmo diagnóstico.
Na hora, me lembro até hoje, além de chorar muito, abracei minha filha e disse: “Independentemente de qualquer coisa, a mamãe vai te amar e cuidar de você o resto da vida”.
Meu marido também a abraçou e falou a mesma coisa.
O desconhecido
Os desafios existem, mas sempre achamos que essas coisas só acontecem na família dos outros. Ainda mais quando você nunca teve contato com a Síndrome de Down ao longo de toda a sua vida.
Não vejo isso como um problema ou preconceito. Vejo como falta de informação. Chorei muito, por desconhecimento, por medo.
Talvez, se eu tivesse um outro olhar sobre isso, se eu tivesse aprendido na escola que poderia acontecer com qualquer pessoa… eu não teria chorado tanto.
As estatísticas mostram que uma em cada 600 crianças no Brasil tem ou terão Síndrome de Down. Existem casos que são genéticos, mas a maioria deles é como o da Isa. Fruto do acaso. Sem explicação.
A ficha caiu
Lá no hospital, quando a médica deixou o quarto, parecia que meu mundo ia desabar. Eu sentei e questionei: Meu Deus, o que vai ser agora?
Eu, mãe, humana, cheia de medos, pensava: “Por que comigo, logo eu que trabalho tanto, que sempre fui uma pessoa tão boa?!…” – É absurdo pensar assim… mas a nossa cabeça fica perdida nessa hora…
E não é só a alteração genética ou o atraso no desenvolvimento que me preocupava.
A criança com Síndrome de Down tem vários probleminhas de saúde.
A Isa, por exemplo, operou o coração com sete meses. Isso porque era para ter operado antes e esperamos ela ganhar peso… É daí que vem o medo, o desconhecimento, o não saber lidar.
Assim que soubemos do diagnóstico, começamos a ligar para contar à nossa família…
Essa primeira noite, depois de saber do diagnóstico, foi bem difícil.
Mas, enquanto ligávamos para contar às pessoas da família, pensei comigo:
“Quer saber de uma coisa, já que minha filha tem Síndrome de Down, eu vou contar pra todo mundo. Se é pra todo mundo saber, vai saber daqui. Não vou esconder de ninguém”.
A rede de afetos
Ainda na maternidade e com a Isa dormindo, peguei meu celular, entrei na internet, na minha página no Facebook, sentei e comecei a escrever…
Lembro-me que tinha comprado uma chupeta brilhante. Coloquei a chupeta nela e um laço bem lindo, grande, tirei uma foto, coloquei junto o texto e publiquei na internet.
Na mesma hora, todo mundo se apaixonou. Foram mais de mil curtidas.
Acho que foi daí que começou a página da Isa nas redes sociais**. A aceitação foi tão grande. O carinho foi tão grande…
Tinha que ser daquele jeito.
Muitas pessoas começaram a comentar o post, a se identificar, a contar suas histórias e os problemas que enfrentaram com seus filhos… A partir daí, as pessoas começaram a se abrir, e eu acho que ficou mais fácil para todos.
Logo que publiquei o texto, lembro-me de uma amiga, que me disse assim:
“Estou chorando horrores aqui, porque quando eu estava grávida, descobri que minha filha teria Síndrome de Down. Na época, pensei até em tirar. Foi muito triste para mim… e, agora, estou eu aqui lendo seu post e totalmente envergonhada”.
Não julgo ninguém. Também não sei qual seria minha reação, se eu soubesse disso, antes da Isa nascer. Eu sei que eu ia sofrer. Não dá para julgar… Na verdade, agradeço demais por não ter descoberto antes. A maternidade, por si, já é um desafio enorme.
Quando eu soube do pezinho torto, eu chorei muito.
Imagina se eu soubesse que era Síndrome de Down. Eu pensava: “Vão tirar sarro dela na escola…” – como se, qualquer coisa não fosse motivo para bullying…. mas, acho que é porque foi meu primeiro filho. Afinal, eu não era nova, tinha 29 anos.
Todos tratam a Isa com muito carinho, muito amor, muito afeto. É coisa de outro mundo. Graças a Deus é isso. Na nossa família, ela é a mais mimada de todas as crianças.
O preconceito
Só senti uma vez, quando fui procurar escola para a Isa. Era uma escola particular. Conheci, gostei e minha intenção era já matricular minha filha lá.
No final da visita, perguntei quando começava o ano letivo e comentei com a coordenadora que a Isa tinha Síndrome de Down. Ela, então, me falou: “Tenho que perguntar antes para o dono da escola, para saber se vamos aceitar ou não”.
Hã? Aí, foi o que bastou. Eu só disse: “Nem precisa perguntar. Agora, minha filha não vai mais vir estudar aqui. Imagina só, pedir autorização se você pode ou não aceitar essa matrícula… uma coordenadora? Nem precisa”.
Depois disso, cheguei em casa, a Isa estava brincando no chão da sala… Sentei e chorei. Eu só pensava: “Meu Deus, qual a diferença entre ela e aquelas crianças que estavam naquela escola?” Nenhuma. Não tinha diferença.
Logo, enxuguei as lágrimas e saí à luta de novo.
Visitei outra escola (que é a que ela está até hoje), me apaixonei e a Isa saiu matriculada de lá. Até hoje, amo esse colégio de paixão.
Os aprendizados
Minha filha me mostrou que tudo pode acontecer na nossa vida.
Ao contrário do que eu pensava, eu não vivia numa redoma de vidro.
Minha vida não era melhor do que a de ninguém. Não sou melhor que ninguém. Tenho que agradecer muito a Deus, por ter condições de levar ela na fisioterapia, na fonoaudióloga…
Acho que sou uma pessoa melhor, por causa da Isabela.
O que eu digo é: “Mostre seu filho com orgulho, porque é assim que as pessoas vão olhar para ele”.
Chega, fala, dá o diagnóstico e pronto. Ninguém vai ter mais dúvida.
Aqui em casa, acho que ainda vamos sofrer muito. A Isa vai passar por muitas outras coisas na vida. Ainda vai sofrer preconceito. Sei que vou sofrer.
Mas o que é que fica é…. Chegou em casa, chorou. Pronto. Bola para frente.
Não dá para ficar se lamentando.
A segunda gestação
Engravidei do Arthur, quando a Isa tinha dois anos.
Eu tinha medo de muitas coisas, de que ele nascesse com algum problema físico, sem um membro… sei lá. No fundo, pedia para que ele tivesse Síndrome de Down, porque, por incrível que pareça, é mais fácil para mim…
Hoje, quero que meus filhos cresçam sabendo que, em qualquer família, pode nascer uma criança especial.
Não somos diferentes de ninguém e também não temos de esconder nada de ninguém.
Acredito que meus filhos são vistos pelos outros, da forma como eu e meu marido olhamos para eles. Da forma como os mostramos para o mundo. Simples assim. Acredito que esse é o maior ensinamento.
Ana Lúcia Ventura Indena é empresária, mãe da Isabela e do Arthur. Na foto, com a família reunida e o maridão, Odair Indena.
** A Isa é muito querida também nas redes sociais. Para conhecê-la melhor e para conhecer mais sobre essa família linda, acesse:
Facebook: https://pt-br.facebook.com/Isa-a-mais-Bela-774651432620544/
Instagram: https://www.instagram.com/isaamaisbela/
Mais informações sobre a Síndrome de Down:
Três vivas para o bebê! – Guia para mães e pais de crianças com síndrome de Down – Cadernos Movimento Down.
Legislação e Direitos das Pessoas com síndrome de Down.
Cuidados de saúde às pessoas com síndrome de Down.
Aninha, admiro seu olhar, cada vez que leio algo sobre a história de vocês meus olhos enchem d’água…como é belo seu aprendizado e a maneira “leve” como mostra esse mundo tão desconhecido!!!