Katia e Cora, bebê arco-íris

Mãe de bebê ‘arco-íris’ conta, num relato emocionante, os bastidores de todos os momentos que viveu

A perda de um bebê é algo muito maior do que se imagina. Envolve planos, expectativas. Envolve sentir uma vida dentro de você e, de uma hora para outra, o cenário mudar completamente. Sem avisar. Sem te preparar. Vem o luto. A dor. Difícil é recomeçar. Voltar a acreditar na vida. Organizar os sentimentos e confiar que há algo muito maior do que nós, cuidando de tudo.

Gratidão é quando seu milagre chega fazendo arte, colorindo e esbanjando amor. Conheça o relato de Katia Guimarães, a mamãe da Cora, uma linda bebê arco-íris que trouxe para este mundo a alegria e o alívio de um recomeço, após uma dura tempestade.


Minha bebê arco-íris

Katia Guimarães*

Bebê arco-íris. Conheci esse termo há um tempo, quando ainda era repórter e fazia uma matéria sobre mães que escolheram ter filhos “mais tarde”. Uma das personagens da reportagem era a minha mãe, que tinha 40 anos quando eu nasci, exatos dois anos depois de ela ter sofrido um aborto espontâneo, no quarto mês de gestação. Eu fui uma bebê arco-íris, porque cheguei depois de uma tempestade, depois da dor da perda de um bebê.

O que eu não poderia imaginar é que, 35 anos depois, eu viveria essa mesma dor. Nunca mais eu vou olhar para as mulheres que sofreram abortos com os mesmos olhos. Nunca mais! Quando alguém me contava uma história como essa, é claro que eu me solidarizava com a situação, mas não tinha a menor ideia do tamanho que isso tem para os pais, do quanto isso marca uma família.

Não importa se a gravidez é de um mês, dois, três… A partir do momento em que você descobre que vai ter um filho, você se torna mãe, faz planos, se imagina com um barrigão, depois com o seu bebê nos braços… No mesmo instante em que você recebe o resultado positivo, começa um processo de transformação.

A perda do meu bebê

Quando eu descobri que estava grávida, em outubro de 2017, eu tive muitos medos, mas nenhum deles estava ligado a um aborto. Eu não considerei essa possibilidade, mas, com um mês e meio de gestação, veio a confirmação de uma perda que começou uma semana antes. Foram dias horríveis, de uma dor insuportável, física e emocional. Eu, que sempre tive uma vida tão organizada e programada, precisei aceitar de uma vez por todas que eu não controlo absolutamente nada.

O primeiro sentimento é de tristeza profunda. Chorei muito, me tranquei em casa por três dias. O meu marido, mesmo sofrendo tanto quanto eu, me deu muita força, tentou de todo jeito me fazer não perder a esperança, a fé de que, apesar do que tinha acontecido, nós teríamos o nosso filho. Porque, depois da tristeza, vêm a culpa, a sensação de fracasso, o medo de ter algum problema, de não ter outra chance…

Minha rede de apoio

Tudo o que eu queria – e precisava – era que as pessoas que eu amo estivessem ali comigo. A minha mãe e a minha irmã, quando souberam da notícia, largaram tudo e foram para a minha casa. Elas se juntaram ao meu marido na missão de me fazer acreditar que tudo ficaria bem. Levaram o meu sobrinho, que, do alto dos seus 7 anos, assim que me viu, disse “não fica assim, tia. Vai passar”. Até hoje me emociono quando me lembro dele dizendo essa frase tão madura para uma criança.

Isso tudo aconteceu uma semana antes da data marcada para o meu casamento. Adiamos. Estávamos destruídos. E a oficialização da nossa vida juntos era um momento especial, planejado, não poderíamos estar tristes. Remarcamos e tudo foi como desejamos.

Luto

Mas aquela dor ainda estava ali. Estávamos em processo de luto. Eu não conseguia evitar o turbilhão de perguntas que vinham à minha cabeça quase todos os dias: será que foi aquela caminhada ao ‘Pico do Urubu‘ que eu fiz? Será que foi porque eu me esqueci de tomar a vitamina D por duas semanas seguidas? Será que foi porque eu peguei o filho da minha amiga no colo? Ou porque fiquei batendo perna nos shoppings, comprando coisas para o casamento?

Mesmo a minha médica me explicando que isso é muito comum – e um pouco mais comum na primeira gestação e com mulheres a partir dos 35 anos – e que, pelas circunstâncias, tudo indica que o embrião estava com algum problema genético, que fez com que o corpo o rejeitasse, a culpa foi algo muito forte para mim.

Cicatriz

Quando comecei a pesquisar sobre o assunto, descobri que realmente é algo muito frequente. Mas por que eu tinha a sensação de que não era? Porque a maioria das pessoas não gosta de falar sobre isso.

E hoje eu entendo o motivo. É muito dolorido. Eu não queria que ninguém soubesse, que ninguém perguntasse como foi, que ninguém falasse sobre a minha dor. Mas, depois que a ferida começou a cicatrizar, percebi o quanto é importante falar, para que outras mulheres que passam por essa experiência não se sintam tão sozinhas, como eu me senti – mesmo recebendo todo o acolhimento da minha família. Mas essa ficha só começou a cair depois de meses digerindo o episódio e de muitas sessões de terapia.

Quando os pais perdem um filho nascido, as pessoas abraçam, acolhem, lamentam. Mas, quando o filho perdido ainda está na barriga, as pessoas apenas dizem “ainda bem que foi no começo”; “logo você engravida de novo”. E não é por mal. Antes de acontecer comigo, eu também não tinha a dimensão disso. Não é feto, não é natimorto. É a Maria, é o João…

Busca pelo recomeço

Depois da perda, a recomendação médica era de que a gente esperasse quatro meses para começar a tentar uma nova gravidez. Esperamos cinco. Viajamos, tentamos seguir com a vida. Eu estava com muito medo. Já tinha completado 36 anos e não sabia se demoraria, se conseguiria…

Começamos a tentar em abril de 2018 e, em maio, engravidei. Foi uma felicidade imensa. Nunca tivemos tanta certeza de que queríamos ser pais.

Por causa do que havia acontecido, os primeiros três meses foram tensos, cheios de ansiedade. Qualquer mudança no meu corpo me dava muito medo. Só quando fiz o morfológico do primeiro trimestre que fiquei um pouco mais tranquila. Vi a minha filha já se mexendo e ouvi da médica que estava tudo normal… Isso acalmou o meu coração.

Gratidão

A cada semana, eu sentia uma enorme gratidão, por tudo estar correndo bem. Cada consulta em que a médica ouvia o coraçãozinho dela no sonar, cada ultrassonografia em que o resultado era positivo, tudo isso foi diminuindo o meu pânico e a gestação seguiu mais serena.

Com 19 semanas, senti pela primeira vez a minha filha se mexendo dentro de mim. Foi maravilhoso. O lado bom de tudo isso é que valorizamos muito mais cada fase até a chegada da nossa bebê. Todos os sinais de que estava tudo bem eram comemorados, agradecidos.

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Minha felicidade

Com 39 semanas e três dias de gestação, logo após fazer um exame de rotina, veio a recomendação da minha médica: “não vamos esperar completar 40 semanas, vamos fazer o parto agora!”

Todo aquele medo e aquela insegurança do começo da gravidez voltaram. Foram algumas horas de ansiedade, crise de choro e um pavor só de imaginar que algo poderia dar errado. Estava tudo indo tão bem, faltava tão pouco para a chegada dela…

Graças a Deus, deu tudo certo. A minha filha veio ao mundo cheia de saúde e inundando o meu coração de amor e gratidão. A minha vida e a minha visão sobre o mundo mudaram completamente – e para muito melhor!

Hoje, ela está com quase dois anos, linda, saudável, feliz, enchendo a nossa casa de alegria e nos mostrando todos os dias o que é realmente importante nessa vida.

E eu só tenho a agradecer por tudo. Tudo mesmo! Até pelos momentos difíceis, que me fizeram mais forte e mais sensível a uma questão ainda pouco falada e entendida, mas que neste momento está devastando a vida de alguém.

Que todas essas histórias tenham finais felizes, independentemente da forma, da escolha, do caminho que cada um seguir.

* Katia Guimarães é jornalista e mãe da Cora.

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