Dayana Vasconcelos*

Minha gestação foi muito tranquila. Após dois anos de casada, decidimos que era hora de ter nosso bebê.

Escolhemos o nome Davi, de origem hebraica, que significa “amado”, “querido”, “predileto”. Talvez por isso, nosso pequeno sempre foi muito esperado e amado, desde quando ainda estava na minha barriga. Tanto por nós, seus pais, como por toda nossa família.

Eu queria muito o parto normal e estava tudo caminhando para isso. Minha bolsa rompeu na madrugada de uma sexta-feira, fui ao hospital, mas não tive dilatação e tivemos que optar pela cesárea. Em uma sexta-feira antes do Dia das Mães, recebi o meu maior e melhor presente. Davi nasceu com 3,535 kg e 50 cm, saudável e esperto.

Meu príncipe teve desenvolvimento típico até um ano. Andou com 11 meses, piscava, batia palminhas, falava mamã, papá, era sorridente. Quando completou um ano, lentamente, foi deixando de fazer algumas coisas, mas, de verdade, não percebíamos nada diferente até então.

Nesse período, parou de balbuciar palavrinhas e não desenvolvia a fala. Na ocasião, encaramos isso como um cenário normal, até por orientação dos médicos. O senso comum dizia que “menino é mais preguiçoso” e, além disso, a própria pediatra dizia para termos calma, porque “cada criança tem seu tempo”.

Mas algo em meu coração dizia que as coisas não estavam tão bem.

O dia em que meu mundo caiu

O Davi tinha 1 ano e 6 meses, quando saímos para almoçar com um casal de amigos. Naquele dia, nosso menino ficou muito inquieto no restaurante, chorou muito, ficou irritado e, quando se acalmou, começou a girar uma faca em cima da mesa. Achamos estranho, porque ele nunca havia brincado dessa forma. Foi quando nosso amigo disse: “Meu primo brinca assim. Ele tem autismo”.

Quando ouvi isso, minha vontade era de que o chão se abrisse. Queria ir embora, ler mais sobre o assunto, chorar e, claro, o que eu queria mesmo era “matar” nosso amigo. Como ele podia falar aquilo?

Cheguei em casa e a primeira coisa que fiz foi entrar na internet. Eu queria saber o que era aquilo. Precisava entender. Nunca tinha parado para pensar nisso. Conforme ia lendo aquelas páginas, percebia que, mesmo não querendo acreditar, meu filho se enquadrava no espectro, com muitas características.

Ele não falava, não balbuciava, tinha parado de fazer gracinhas e estava muito sério – nem parecia meu menino feliz. Ele andava na ponta dos pés, fingia que não ouvia quando o chamávamos. Só fazia o que queria, a hora que queria, e não atendia aos nossos comandos.

Meu mundo caiu. Fiquei desesperada! Quase enlouqueci! Meu bebê? Tão sonhado, tão esperado, tão lindo! Não podia ser verdade! Não tínhamos histórico de ninguém com autismo na família…

Eu já tinha planejado a vida dele inteira: da escola onde ia estudar até as viagens que íamos fazer. Não era possível que isso estivesse acontecendo conosco.

A saga

Busquei a primeira neurologista. Ela disse que o Davi ainda era muito novo e, por isso, não dava pra diagnosticá-lo com autismo. Voltamos para a pediatra e ela, novamente, nos tranquilizou dizendo que cada criança tem seu tempo.

Colocamos o Davi na escola para incentivar a fala e sociabilização. E buscamos, por conta própria, uma fonoaudióloga para iniciar o tratamento. Mas, ainda assim, não tínhamos nenhum laudo, nenhum norte.

Não há exames clínicos para o diagnóstico do autismo e não sabíamos para onde correr.

Sentia uma incapacidade muito grande, afinal, não tínhamos certeza de nada.

Fiz promessas, novenas, pedidos, orações. E acreditei (por um curto espaço de tempo) que meu filho “estava curado”. Meu medo deu espaço à negação.

O medo do desconhecido tomou conta de mim e veio o desespero. Já não sabia mais separar o profissional do pessoal. Nesse momento da minha vida, fui desligada da empresa onde trabalhava. Isso agravou ainda mais meu estado de depressão e eu não entendia por que tudo isso estava acontecendo.

Mesmo muito triste e percebendo que o desenvolvimento do Davi não correspondia ao esperado, continuei buscando profissionais que pudessem me nortear. E, francamente, demorei muito para encontrar alguém que pudesse me ajudar.

Na escola, a primeira professora dizia que seu desenvolvimento era normal. Ele brincava com os amiguinhos e, apesar de não falar, ela dizia que isso viria após os dois anos. Ficamos na expectativa.

O aniversário chegou, mas as palavras não.

Ele mudou de turma na escola e fui chamada pela nova professora no primeiro mês de aula. Foi quando o chão se abriu de novo embaixo dos meus pés. Na conversa, ela descreveu como meu pequeno era diferente das demais crianças e como seu desenvolvimento estava aquém do esperado.

Busquei outra neurologista disponível em nosso convênio médico. E, mais uma vez, o diagnóstico de que ele não tinha nada.

Mantivemos as sessões com a fonoaudióloga, em consultas particulares.

Mesmo com todas as avaliações dos médicos, não me sentia segura. Eu queria pagar uma consulta particular com um profissional especializado em autismo, mas não tinha recursos financeiros para isso (elas chegam a custar cerca de R$ 2.000,00).

O diagnóstico

Ainda pelo convênio, passamos por mais dois neurologistas. O último, finalmente, teve coragem de afirmar o diagnóstico correto do meu filho.

Foi um misto de tristeza e alívio.

A confirmação veio apenas com três anos e três meses. Na cabeça, fica sempre aquele questionamento: Será que se tivéssemos identificado antes, poderíamos ter feito intervenções e ele poderia estar respondendo melhor aos estímulos?

A verdade é que estava escrito e tinha que ser assim. Fizemos tudo o que podíamos e continuamos fazendo tudo o que está ao nosso alcance.

Hoje, o Davi faz Terapia Ocupacional, Terapia em Grupo e continua suas sessões com uma fonoaudióloga. Ainda estou buscando a Terapia ABA (Applied Behavior Analysis, termo em inglês que significa Análise do Comportamento Aplicada), que é voltada para o tratamento de autistas, mas os valores são muito altos e nós ainda não temos condições de pagar. O Estado não oferece nenhuma alternativa nesse sentido.

A luz

Nossa aceitação foi bem difícil no começo e, não vou negar, ainda é. São muitos medos.

Meu marido, que é um pai extremamente dedicado, sempre esteve firme e forte ao meu lado. Nossa família também sofreu desde o início, mas isso não impediu que nos acolhessem.

O amor pelo Davi é tanto que transborda de todos os lados.

Apesar da dor e do medo, estamos confiantes. Sabemos que o diagnóstico positivo não é o fim do mundo e que os autistas podem ter uma vida normal. Essa é a nossa luta. Se vamos conseguir, só o tempo irá dizer.

Hoje, o tratamento vem dando muitos resultados. Meu filho voltou a ser meu menino sorridente, feliz, amoroso, carinhoso. Com seu jeitinho, demonstra o quanto nos ama e o quanto quer evoluir.

Ele ainda é não verbal, mas temos a certeza que ele vai falar um dia. Ele nos entende e já atende aos nossos comandos. É esperto, sapeca. Um menino danado como tantos outros. Ele adora shopping, nuggets do Mc Donalds e ama brincar no “Kidplay do Playland”.

O preconceito

Nas ruas, na escola, nos estabelecimentos públicos, nas festinhas… ainda percebemos muitos olhares de reprovação, em especial quando conversam e ele não responde, quando ele dá algum grito ou tem uma crise de choro para demonstrar o que quer ou o que não quer – cena parece muito com um ataque de birra.

A escola, onde estudou desde bebê e que se dizia inclusiva, orientou o tratamento com remédios para que ele se adequasse ao comportamento esperado. Cancelamos a matrícula. Neste momento, estamos procuramos uma nova escola. A maioria delas ignora nosso pedido, quando dizemos que ele tem autismo.

O que mais me dói até hoje foi ele não ter sido convidado para a festa de um amiguinho, que era como se fosse da nossa família. Conheço a mãe desde pequena, éramos amigas. Ela convidou muitas crianças para o aniversário do filho dela, mas deixou meu filho de fora, porque poderia fazê-la passar vergonha.

O desconhecimento

Nos últimos anos, o autismo tem sido muito comentado por conta do significativo aumento de casos no Brasil e no mundo. Na verdade, as pessoas ainda conhecem o autismo ou pelo nível de genialidade de alguns ou pela total incapacidade de outros.

Ninguém, que não tenha vivido isso de perto, sabe como é a vida de um autista e de sua família. Ninguém imagina como é difícil diagnosticar e tratar.

A vida profissional

Fui desligada da empresa onde trabalhava em meio ao turbilhão do medo. Fiquei muito mal com a situação do meu filho e com o desligamento. Optei por não voltar de imediato a procurar recolocação. Decidi, primeiro, buscar o diagnóstico dele.

Fiquei dois anos e cinco meses em casa. Comecei a fazer bolos, doces, bem casados e cupcakes para vender. Assim, conseguia organizar meus horários pra levá-lo às terapias e, ao mesmo tempo, ajudar nas despesas de casa.

Acredito no poder de Deus. Na força que ele nos dá, nos caminhos que desenha e nas oportunidades que faz surgir. Recentemente, fui presenteada com o emprego dos meus sonhos.

A maternidade

O Davi e eu sempre fomos muito ligados. Desde a confirmação do diagnóstico, não fazemos mais planos para o longo prazo.

A maternidade me ensinou que cada dia é um dia. E cada passo dado é uma vitória. Tudo o que ele aprende é motivo de comemoração e muita felicidade. E meu amor por ele só aumenta.

A luta

A batalha é árdua. Não é fácil. Às vezes, a paciência acaba. Em outras, desaparece a esperança e a fé em dias melhores.

Porém, logo passa. A força vem. Sentimos o peso da responsabilidade. Eles precisam que estejamos bem para ficarem bem também.

Se alguém está passando por isso, procure ajuda psicológica, converse com outras mães, troque informações. Chore. Mas levante a cabeça e siga em frente. Tudo tem uma razão de ser e desistir não vai ajudar em nada.

Hoje, sou uma mãe muito feliz e realizada por ter meu filho comigo. Por aprender com ele a cada dia. A ter paciência. A lutar. A buscar conhecimento. A vibrar com cada sorriso e cada aprendizado. A defendê-lo e amá-lo sob todas as circunstâncias.

E, o principal, por reconhecer os presentes que Deus nos dá. O meu Davi é, sem dúvida, o principal deles. Com ele, aprendi a viver e aproveitar todos os momentos, por mais simples que possam parecer.

Foto
Crédito: Arquivo pessoal

* Dayana Vasconcelos Andrade, ariana e mãe do Davi. É formada em relações públicas e, atualmente, atua como bancária.


Edição: Deize Renó

Crédito da foto em destaque: Pixabay

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