Mãe conta os bastidores do seu pós-parto e a importância da solidariedade de outras mães

Sororidade é quando as mulheres se unem por uma causa ou simplesmente para se ajudarem no dia a dia. Tem a ver com empatia, companheirismo e solidariedade. Confira o depoimento da mamãe Jamile Santana sobre como isso impactou no seu pós-parto.


Sempre soube que o parto era um evento transformador e divisor de águas na vida de uma mulher. Mas nunca imaginei aprender tanto sobre empatia e sororidade, pouquíssimas horas após o parto, na internação de um hospital público e com mulheres que eu nunca tinha visto na vida.

O Antônio nasceu no dia 26 de fevereiro, às 2h20. Apesar de eu querer muito um parto normal, foi preciso uma cesárea. O procedimento ocorreu tranquilamente, o bebê chegou ao mundo com um choro forte e seus 3,3 kg, o maior daquela madrugada.

Eu ainda estava na sala de cirurgia quando parte da equipe médica saiu para atender outros três partos normais. Eu ouvi todos os gritos daquelas que seriam minhas primeiras colegas de quarto.

Fiquei três dias no hospital e me lembro de três episódios em que me senti acolhida ou fortalecida por outras mulheres, que estavam ali, sentindo a mesma coisa que eu, frágeis e fortes, exaustas e extasiadas, em luto por estar mudando e deixando vários “eus” para trás… mas, ao mesmo tempo, comemorando a vida de um ser humano e administrando um turbilhão de sentimentos dentro de si… algo que só a alma feminina entende.

 Despidas da maternidade romântica

Numa das noites, sentamo-nos, cada uma em seu leito, com os bebês no colo, dormindo ou mamando. Falamos sobre como é difícil e delicioso ser mulher. Falamos ainda sobre o medo e a insegurança na hora do parto; sobre como era difícil lidar com o cansaço e com a carga das obrigações que durariam 24 horas por dia, a partir de então; sobre como a nossa vida muda e a dos homens, via de regra, nem tanto ou nada.

Estávamos ali, sem medo de confessar que, apesar de toda beleza, aquela mudança toda era assustadora. E foi uma troca linda e repleta de acolhimento.

Eu não estava sozinha e minhas dúvidas não eram absurdas. Cada mãe estava sentindo a mesma coisa, precisando ser acolhida do mesmo jeito.

Trocar experiências me trouxe luz, e ela veio das mulheres que já tinham passado por aquela situação uma vez.

Elas me contaram como seria incrível ver aquele ser humano tão delicado e indefeso crescer e ganhar o mundo diante dos meus olhos. Me avisaram que eu choraria só de pensar em não poder protegê-lo de tudo. Também me falaram sobre o quanto eu poderia experimentar de um amor jamais sentido antes, o que, para mim, já era uma verdade doce e absoluta.

Juntas e sem pretensões

Houve ainda um momento de muita emoção.

Uma moça jovem deu à luz a um bebê que nasceu com uma má-formação e precisava de uma cirurgia ainda nas primeiras horas de vida. Ela foi para o quarto sozinha, ainda anestesiada e sem o bebê nos braços.

Cuidamos dela a noite toda. Choramos todas juntas quando chegou a notícia de que a vaga para a cirurgia, que aconteceria em outro hospital, havia dado certo. Choramos quando vimos a primeira foto do bebê. Rimos juntas quando a cirurgia terminou sem intercorrência. E ela, mais tarde, comemorou a minha alta.

 Uma rede espontânea de afeto

Em outra noite, uma das mamães precisou ir ao banheiro. “Você pode olhar ela pra mim?”, me pediu. Não demorou muito a bebê dela começou a chorar. Me aproximei do bercinho e a embalei nos meus braços. O choro dela acordou o Antônio e então outra mãe levantou e o acolheu. O bebê dessa mãe também começou a chorar. Foi aí que a moça que estava no banheiro voltou e pegou ele no colo. Nós nos olhamos e cada uma estava com o filho da outra nos braços.

Ninguém mais chorava. Eles já haviam se acalmado.

Começamos a rir e entendemos ali que sororidade é uma coisa linda, que nós, mulheres, precisamos praticar muito mais e de peito aberto.

* Jamile Santana é mãe do Antônio e uma jornalista disposta a traduzir em metáforas o sentimento do mundo. Antônio nasceu no dia 26 de fevereiro de 2020, quando a pandemia do Novo Coronavírus chegava com força no Brasil.

 

Foto: Renato Marques Mendes

Contents