Psicopedagoga avalia as festas de Dia das Mães realizadas nas escolas, dá dicas de como trabalhar isso da melhor forma e revela: “É preciso estar atentos às necessidades dos alunos”

O Dia das Mães é uma tradição também no calendário pedagógico da maioria das escolas. Apesar disso, nem sempre paramos para refletir sobre o sentido das comemorações para os alunos. Muitas vezes, neste dia, fará mais sentido homenagear o pai, a avó, a tia… Nem sempre é o vínculo sanguíneo que conta para a criança. E nas famílias modernas formadas apenas por pais?

Nesta entrevista, a psicopedagoga Renata Melo* fala sobre a importância do olhar crítico, do respeito e do “entender” as necessidades das crianças. Confira a íntegra da entrevista.

Qual a importância de celebrar o Dia das Mães nas escolas?
Renata Melo:
A celebração do Dia das Mães pode ter diversas interpretações. Há quem olhe para ela com um foco comercial e mercadológico, interpretando a data como uma estratégia para movimentar o comércio; há quem interprete a data como um momento de valorização e reconhecimento da mulher; há quem considere a data um momento especial para demonstrar gratidão e amor por aquela que nos gerou e que tanto amor incondicional foi capaz de nos dedicar…

Há ainda muitas e diferentes formas de se interpretar essa data e, por esse motivo, não há uma maneira concreta de se apontar a necessidade de se celebrar ou não. Não há dúvidas de que é importante estimular e reconhecer o valor do vínculo maternal, assim como o paternal, e a escola pode escolher se quer fazer parte dessa construção, ou se prefere deixá-la a critério da família. Cada escola, assim como cada família, tem sua identidade e celebrações. Festas e comemorações precisam estar de acordo com esse perfil único.

Na escola, inúmeras experiências de relacionamentos são vividas pelas crianças. Nesse ambiente são construídos vínculos afetivos entre professores e alunos, entre amigos e pares, e as experiências afetivas permeiam a vida das crianças tanto na família, quanto na escola. Por isso, é importante que esses relacionamentos sejam estimulados e orientados adequadamente em ambas as vivências. Na LUDIE**, acreditamos que relações e vínculos precisam acontecer sempre, mas de forma personalizada. Uma criança não é como a outra, uma escola não é como a outra. Uma mãe não é como a outra.

Por isso, celebrações podem ser definidas de acordo com o perfil da escola, com suas características e objetivos de trabalho. O importante é que as relações sejam fortalecidas, que a afetividade predomine sempre e que as crianças consigam perceber claramente essa afetividade que lhes é direcionada. Com o vínculo fortalecido, celebrações diversas podem vir a somar.

Diante de uma sociedade que, hoje, vive um momento de maior abertura e de diversidade de gêneros, de famílias com estruturas diversas, o Dia das Mães ainda deve ser comemorado nas escolas?
Renata Melo: Gêneros, estruturas familiares, perfis pessoais, todas essas características compõe a personalização de algo que transcende padrões sociais nas relações que estabelecemos com as crianças.

Quando tratamos dos vínculos afetivos e dos relacionamentos que construímos com uma criança, contemplamos as necessidades que ela tem de amor, carinho, afeto e atenção, e, se pararmos para analisar tais necessidades a fundo, percebemos que elas são atemporais, não se relacionam especificamente com gêneros e não são dependentes apenas de um único modelo de estrutura familiar.

É importante separarmos a análise de tendências e históricos sociais das necessidades emocionais do ser humano.

Em diferentes realidades, mãe pode ser aquela que gera, aquela que cria, aquela que ama. Mãe pode ser a avó, o pai, a tia, a madrinha…

E aqui, para incluirmos a escola nesse posicionamento, é preciso também que se considere a identidade da instituição. Quais são os valores que regem a escola? Como ela estrutura os relacionamentos dentro de seus espaços? Qual é sua filosofia de trabalho e o que ela objetiva construir com seus alunos? Essas são algumas perguntas que podem nortear a decisão de uma escola sobre comemorar ou não essa data especificamente e como fazê-lo.

Que cuidados são necessários na hora de organizar uma comemoração desse tipo?
Renata Melo:
Caso uma escola opte por incluir alguma comemoração em seu calendário, é muito importante que ela considere as necessidades e expectativas dos alunos.

Conhecer a realidade de suas crianças a fundo é pilar estrutural de qualquer instituição que desenvolva um trabalho com criança. Esses pequenos estão em formação, têm necessidades importantes que precisam ser respeitadas e, principalmente, levadas em conta.

Por isso, casos de crianças que perderam a mãe, que moram com o pai ou com avós, que pertencem a famílias com pais do mesmo sexo, devem ser considerados pela escola, e a forma como a criança lida com tal situação deve estar clara para todos, a fim de que uma comemoração alegre e afetiva não se torne motivo de dor e sofrimento para um pequeno aluno. Todos devemos estar atentos às necessidades dos alunos, sempre.

O Dia das Mães foi criado por uma feminista. Continua sendo importante valorizar o papel da mulher e mãe, como você avalia esse fato nos dias atuais?
Renata Melo: Na LUDIE sempre olhamos para as reais necessidades humanas. Não costumamos nos apegar a questões como feminismo, questões de gênero, racismo, etc. Acreditamos e fomentamos um olhar respeitoso e igualitário para as pessoas.

Acreditamos que: “Todos somos diferentes, somos únicos. Todos temos o nosso valor, nossas capacidades e nosso lugar no mundo e na sociedade. Todos podemos e merecemos ser felizes e isso se alcança quando vivemos em uma sociedade onde o respeito e a valorização humana são predominantes.”

Diferenças de crenças, valores pessoais, objetivos de vida são questões que tangem às individualidades de cada família. Há muita riqueza nas diferenças. Os seres humanos precisam se complementar e não se igualar ou disputar poder.

Mais amor e menos quedas de braços, é nisso que acreditamos. Por isso, para nós, mulheres, homens, mães, pais, avós, tios, todos temos muito valor e um papel muito importante na criação de uma criança. Como já diz o ditado: “é necessária uma vila inteira para educar uma criança”.

E o impacto da questão mercadológica nas comemorações pela data?
Renata Melo:
Capitalismo, consumismo, marketing são estratégias comerciais que entram nas famílias e nas escolas à medida que permitimos. As crianças aprenderão pelo nosso exemplo quais os valores considerarão em suas vidas.

O comércio precisa vender, há salários a serem pagos e cabe a cada um de nós filtrar o quanto disso deve entrar em nossa vidas e chegar a nosso filhos.

É fundamental que todos tenhamos um olhar crítico para tudo o que vivemos, para não nos deixarmos ser levados pelo “modo automático” de viver. Temos o direito de escolher o que queremos para nossas vidas e nossas famílias e precisamos exercê-lo com responsabilidade.

* Renata Melo é psicopedagoga e fundadora da LUDIE.

** LUDIE, refere-se a “Lúdico Inteligência Emocional”; um centro de desenvolvimento Infantil que busca, através da parceria com as escolas e pais, trabalhar os aspectos da inteligência emocional das crianças para um desenvolvimento saudável e equilibrado. Sua missão é ajudar o maior número de crianças a aprender a reconhecer e gerenciar suas próprias emoções, atingindo o máximo do seu potencial, sem deixar de ser criança. Mais informações em: http://www.ludie.com.br/


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