Patricia Salvatori*
Minha filha nasceu prematura no dia 11 de abril de 2005. Apesar da surpresa, ficamos muito felizes, pois era aniversário do meu pai e da minha irmã. Seria a terceira geração na mesma data. Como ela tinha um bom peso, não nos preocupamos.
Na primeira madrugada, tudo mudou. Ela não mamava e, ao tentarem dar o leite no copinho, ela engasgou e foi parar na Unidade de Terapia Intensiva (UTI) neonatal, com a sonda nasogástrica. Os médicos notaram que ela era um bebê muito molinho, não tinha quase controle muscular e dormia o tempo todo. Começaram, então, a revirá-la do avesso, fizeram todos os exames possíveis em seu segundo dia de vida. Todos normais…
Após alguns dias, surgiu o primeiro anjo, o neurologista Dr. Erasmo Casella, que suspeitou da Síndrome de Prader Willi.
O exame não era coberto pelo convênio, mesma assim a amostra de sangue foi enviada para os Estados Unidos (EUA) e o resultado demorou dois meses para chegar. Pesquisei rapidamente e vi tantas informações catastróficas sobre a síndrome, que resolvi ignorar o assunto. Foram 21 dias na maternidade, fazendo fono para aprender a mamar. Ao chegarmos em casa, ela começou a fisioterapia, que a acompanharia até os cinco anos de idade.
No dia 9 de junho, peguei o resultado positivo pela Internet.
Meu mundo desabou.
Eu, que era uma pessoa racional e equilibrada, queria apenas que o mundo acabasse ali… Chorei muitas horas sem parar, vendo minha bebezinha linda e imaginando um futuro sombrio: compulsão alimentar, doenças decorrentes da obesidade, atraso neuromotor, entre tantas outras características.
O cenário
Depois de esgotar o estoque de lágrimas, virei a madrugada pesquisando e descobri que no Brasil pouco se conhecia, mas em diversos locais do mundo havia associações e sites que me ajudariam a buscar o melhor para minha filha.
Eu não tinha ideia de onde ela chegaria: será que vai andar? Vai falar? A parte alimentar era uma grande dúvida, pois a característica mais cruel da síndrome é que a pessoa não tem sensação de saciedade, comendo compulsivamente.
Por precaução, passamos a oferecer apenas coisas saudáveis. Aos oito meses, tivemos um grande susto: ela sufocou na escolinha e foi levada às pressas para o pronto-socorro. Estava com bronquiolite, algo muito perigoso para um bebê prematuro e com musculatura pulmonar enfraquecida.
Após uma semana de hospital, fomos para casa com um belo tanque de oxigênio. A então pediatra nos apavorou para que ela não voltasse para o berçário, prevendo sequelas pulmonares graves.
Um mês em casa e notávamos que ela não precisava do oxigênio durante o dia, somente à noite. Então me dei conta de algo crucial: apesar dos conhecimentos técnicos dos médicos, quem conhece minha filha sou eu!
Eu tinha certeza de que ela não ficaria presa a um tubo de oxigênio, como a médica queria convencer. Fui procurar outros médicos que orientaram para tirar o oxigênio na hora.
Ela tinha um problema: pelo baixo tônus muscular dos pulmões, não respirava tudo que precisava durante o sono. Era algo que já existia e não uma sequela da bronquiolite.
O tratamento era dormir com um aparelho que a ajudava a respirar, o BIPAP (Bilevel Positive Pressure Airway). Nem preciso dizer que a pediatra foi dispensada, pra nunca mais voltar… E ela voltou à escola na sequência.
A luta
Apesar das limitações motoras, Larissa era um bebê encantador, superatento e que ia respondendo rapidamente aos estímulos que recebia.
Eu havia a levado em um neuropediatra que me alertou sobre a plasticidade neural. Procurei também psicomotricista, medicina tradicional chinesa, fono, hidroterapia, psicopedagoga. A agenda dela era lotada, assim como a minha, mas eu sabia que tudo aquilo faria diferença no futuro.
Com o tempo, fomos deixando apenas o essencial e intercalando com atividades que todas as crianças fazem: natação, ballet. Com o tempo, fomos mudando o foco das preocupações.
A inclusão
Hoje, nossa maior preocupação é a inclusão escolar e social. Que ela consiga aprender o máximo que puder e consiga criar vínculos sociais. Aos 12 anos, ela já está na terceira escola.
Não é fácil… A sociedade ainda tem muita dificuldade em aceitar e entender as diferenças de quem não se encaixa no padrão.
O diagnóstico precoce foi fundamental para que a saúde dela esteja boa e o peso controlado. Isso, com o acompanhamento da Dra. Ruth Franco há dez anos, outro anjo na vida da minha filha.
Desde os dois anos, Larissa faz uso do hormônio de crescimento (GH), que ajuda a aumentar massa muscular e reduz massa de gordura.
Desde que minha filha nasceu, percebi a falta de informações confiáveis e positivas, com visões limitadas de quem não conhecia a fundo e não vivia a minha realidade.
A esperança
Em 2009, resolvi criar uma página no Facebook e comecei a conhecer muitas pessoas. Além da troca de informações, eu também queria que minha família e meus amigos pudessem saber mais sobre o assunto e evitar preconceitos.
Nunca quis vestir a fantasia de “Mulher Maravilha”. Para mim, chavões como “Deus não dá um fardo maior do que você possa carregar” ou “somente pessoas especiais têm filhos especiais” não ajudam em nada. Pelo contrário, só aumentam o peso da responsabilidade de quem supostamente não pode reclamar.
Sou ser humano com altos e baixos. Às vezes, sou boa mãe e às vezes pareço doida, como toda mãe.
Ao longo destes anos, tenho conhecido muitas famílias de vários locais do Brasil e de outros países, que passam pelos mesmos desafios. Algumas perderam seus filhos precocemente e esse é o pesadelo que assombra a todos nós.
Mas, apesar das barbaridades que li no passado, também conheci vários adultos com a síndrome, o que me dá esperança.
Escolhi acreditar no futuro e na evolução da medicina que vem nos surpreendendo numa velocidade absurda.
A missão
Ano passado, fiz um financiamento coletivo para participar da conferência mundial sobre SPW, que acontece a cada três anos. Foi incrível! Esta articulação internacional, junto com outras famílias, foi fundamental para a criação da associação brasileira da síndrome, na qual sou representante por São Paulo.
Neste ano, uma entrevista minha para a TV Record gerou grande repercussão, ajudando a disseminar informações para quem mais precisa.
Decidi também que, após trabalhar mais de vinte anos com e para organizações, eu poderia usar meu potencial como pesquisadora na área de comunicação, para fomentar o assunto no mundo acadêmico, para que todo brasileiro possa ter assegurado o exercício pleno de sua cidadania.
Hoje, faço doutorado e pesquiso as relações públicas como agente de transformação da realidade, por meio das práticas de mobilização, inclusão social e fortalecimento da cidadania para pessoas com deficiência.
O que mais importa em toda esta história é que estou ajudando quem precisa de apoio, levando informações para que a sociedade aprenda a aceitar e respeitar todas as diferenças. E que minha filha é uma menina linda, feliz, saudável, com um futuro que só ela vai escrever, sem que ninguém imponha limites.
* Patricia Salvatori é mãe da Larissa, relações-públicas, professora universitária e pesquisadora.
Mais informações:
Associação Brasileira da Síndrome de Prader-Willi
IPWSO – Associação Internacional da Síndrome de Prader Willi
Crédito da foto em destaque: Pixabay
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