Cresce pelo País o número de famílias que opta por não vacinar seus filhos; essa atitude é considerada arriscada pelo governo, por especialistas e por entidades de saúde, por colocar em risco a vida das crianças e de toda a sociedade

Antes mesmo de deixarem o hospital, os bebês já recebem suas primeiras vacinas. A BCG, por exemplo, que protege contra as formas mais graves de tuberculose, normalmente, é aplicada logo nos primeiros dias de vida e deixa no bracinho uma cicatriz que durará para a vida toda. Até os 15 meses do bebê, o calendário brasileiro de vacinação* na rede pública é extenso, são muitas picadas – às vezes, num único dia. Há também várias campanhas durante o ano e uma imunização forte que se prolonga ao longo da vida. Sem contar que, existem ainda mais vacinas disponíveis apenas na rede particular, para complementar a prevenção de outras doenças.

Por conta disso, o País tem, atualmente, um histórico de erradicação de doenças reconhecido no mundo todo. Apesar de todo esse contexto, ganha força pela internet o número de pessoas e famílias, especialmente com acesso a um importante nível de informação, que se denomina “antivacina” e que, em meio a uma certa “clandestinidade”, se nega a se vacinar e a vacinar as crianças, apoiando-se em argumentos como o poder da imunização natural, os danos que as vacinas causam no organismo, as reações negativas, entre outros.

Aos pais de primeira viagem, fica a avalanche de informações e a decisão de imunizar os pequenos só o calendário da rede pública, complementar com a rede particular (cujo preço por dose não é nada atrativo), ou ainda se arriscar e arriscar a vida de tanta gente, deixando a vacinação de lado.

Diante de tudo isso, as dúvidas só aumentam. Vacinar as crianças é mesmo essencial? Homeopatia pode substituir alguma vacina? E as vacinas que só existem na rede privada, como a Meningocótica B, devem ser aplicadas apenas se você for viajar para outro País? E o que dizer dos grupos antivacinas… vale a pena deixar de vacinar as crianças?

Legislação

No Brasil, a vacinação é obrigatória. De acordo com a presidente da Sociedade Brasileira de Imunizações (SBIm), a pediatra Isabella Ballalai, há duas leis federais que dispõem sobre a obrigatoriedade no País. Uma delas é o Decreto 78.231/1976, que estipula em seu Art. 29º que “é dever de todo cidadão submeter-se e os menores dos quais tenha a guarda ou responsabilidade, à vacinação obrigatória”, exceto se houver atestado médico de contraindicaçãoOutra é o Estatuto da Criança e do Adolescente, que, por sua vez, determina no Art. 14º §1o que “é obrigatória a vacinação das crianças nos casos recomendados pelas autoridades sanitárias”.

Isabella Ballalai lembra que nenhum dos dispositivos estabelece as penalidades, mas elas existem: “Os responsáveis que se recusarem a cumpri-los podem ser alvos de ação do Conselho Tutelar e do Ministério Público, além de sofrer sanções, de acordo com entendimento judicial, que chegam até a perda da guarda das crianças”.

Importância de se vacinar

O calendário de vacinação da rede pública de saúde do Brasil (apesar do quadro recente de escassez de algumas vacinas; veja reportagem da TV Diário afiliada Rede Globo) é um dos mais completos do mundo.

Neste mês de julho, o Ministério da Saúde lançou uma campanha nas redes sociais para esclarecer dúvidas propagadas pelos movimentos antivacinas e ressaltar a importância de se vacinar.

“Ao optar pela antivacinação, estes grupos colocam eles próprios, os filhos e toda uma população em uma situação de vulnerabilidade, porque se tornam porta de entrada de vírus e bactérias em uma comunidade. Quebrando assim um ciclo de prevenção, construído, durante anos, com a vacinação em massa. E abrindo brecha para que o Brasil volte a registrar casos de doenças já extintas ou raras”, diz a página do Ministério da Saúde no facebook.

A vacinação é considerada pela Organização Mundial da Saúde (OMS) a segunda maior conquista da humanidade em termos de saúde pública, atrás apenas da oferta de água potável.

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Crédito: Sociedade Brasileira de Imunizações (SBIm)

“Estima-se que a imunização previna cerca de três milhões de mortes todos os anos se considerarmos apenas a difteria, a coqueluche, o tétano e o sarampo. O quanto antes uma pessoa receber as vacinas, menor será a chance de desenvolver as doenças, por isso, o calendário infantil é tão rico”, explica Isabella Ballalai, da SBIm.

Não apenas as crianças devem se vacinar. Segundo ela, os adultos também devem verificar se estão com as vacinas em dia, porque ao se vacinarem além do benefício individual, ajudam a diminuir a circulação de vírus e bactérias no ambiente e, indiretamente, protegem aqueles que não podem receber as vacinas, seja por conta da idade ou de alguma contraindicação.

Para a farmacêutica Ana Paula Oliveira Zanatta, proprietária e responsável técnica de vacinação da clínica particular Vaccine Care Mogi das Cruzes, a vacina sofre o mal do sucesso. “Com a diminuição de casos de doenças graves, devido a grande cobertura da vacinação, a sociedade passou a desacreditar nos benefícios que a terapia preventiva pode trazer. Associado a isso, temos uma sociedade que tem acesso à informação o tempo todo, e que elege seus formadores de opinião pela empatia e não mais pelo conhecimento. Hoje, todo mundo usa a internet como fonte de informação, e isso é de certa forma inseguro, porque as fontes de informação não são seguras e, muitas vezes, nem mesmo confiáveis”, avalia.

 

Os grupos antivacinas 

“As vacinas permitiram erradicar a varíola, praticamente, erradicar a poliomielite e eliminar o sarampo, a rubéola e a rubéola congênita das Américas. Incontáveis vidas foram poupadas graças a elas. Não se vacinar e propagar o discurso antivacinista são atitudes irresponsáveis que põem essas conquistas em risco. A Europa, onde esses grupos [antivacinas] são mais estruturados, está passando por um surto de sarampo neste exato momento”, alerta a presidente da SBIm.

Os antivacinas alegam, entre outras coisas, que as vacinas prejudicam o sistema imunológico das pessoas, em especial das crianças, e que elas próprias podem construir os seus sistemas imunitários naturalmente. Quanto a isso, Isabella Ballalai questiona:Vale a pena arriscar? Vacinas não prejudicam o sistema imunológico e a imunização, sem elas, [o organismo humano] depende da infecção por doenças que, repito, podem matar ou deixar sequelas”.

Ana Paula Zanatta
Crédito: Vaccine Care Mogi das Cruzes

Ana Paula Zanatta, da Vaccine Care, avalia de forma positiva a participação da sociedade e a posição questionadora de modelos e condutas. Apesar disso, no campo da saúde, alerta que é necessário ter cautela: “Quando uma familia opta por não vacinar seus filhos, coloca em risco a saúde da criança, do entorno social em que eles se encontram e, com a diminuição das distâncias mundiais, essa conduta tem um impacto enorme em saúde pública para além do território onde essa familia vive. A vacinação compulsória (em massa), feita nas campanhas sazonais e disponibilizadas no Sistema Público de Saúde, tem como princípio a saúde coletiva, pública. É uma medida preventiva na qual não há visibilidade do indivíduo como único”.

E ela continua: “Essa pode ser uma conduta muito perigosa, fazendo com que reapareçam doenças já controladas e que levam a óbito. A não vacinação representa risco individual e também social. Talvez esse movimento antivacina seja ascendente, porque os idealizadores podem não conhecer as sequelas que as doenças trazem, no caso de uma meningite bacteriana ou até mesmo a gripe”.

Ana Paula, que também é mãe da Izadora, de 4 anos, e do Raphael, de 2 anos, acredita que vacinar é um ato de amor. “E nossos filhos são amor materializado. Nós, mães, não suportamos o sofrimento de um filho. Às vezes, me pergunto, porque as famílias estão escolhendo esse caminho de desamor”.

Soluções homeopáticas

Há quem defenda ainda alternativas homeopáticas para substituir determinadas vacinas. Segundo Isabella Ballalai, não há substitutos, como diz o próprio posicionamento da Associação Médica Homeopática Brasileira (AMHB). Segundo a entidade, o médico que apresenta a homeopatia como alternativa à vacinação comete conduta antiética (consulte aqui a íntegra do posicionamento da entidade sobre esse assunto).

Vacinas da rede particular

A Meningocótica B ou a Meningocótica ACWY, por exemplo, só estão disponíveis em clínicas particulares. Cada dose da primeira pode custar cerca de R$ 600 e a segunda, em torno de R$ 400. Uma dúvida muito comum é: será que essas vacinas são mesmo essenciais? Por que não existem na rede pública? E se eu, como pai, não conseguir pagar por elas?

“Infelizmente, nenhum país do mundo consegue oferecer todas as vacinas gratuitamente para toda a população. A decisão sobre quais serão incluídas nos calendários, bem como as faixas etárias contempladas, passam pela análise de uma série de fatores, como impacto em saúde pública, garantia de oferta, entre outros”, explica Isabella Ballalai.

Segundo ela, no que diz respeito às doenças meningocócicas, o Programa Nacional de Imunizações (PNI) disponibiliza desde 2010 a vacina contra o tipo C, que mais causava o problema em crianças. “Embora a vacinação já tenha permitido reduzir em 70% as ocorrências entre menores de cinco anos, os tipos W, Y e B ainda são importantes causas de meningite, não só na população infantil, como em adolescentes. Por essa razão, quem tem condições financeiras de se vacinar nas clínicas privadas não deve esperar”, pondera.

Ela lembra ainda que a vacina contra a doença Meningocócica C também chegou primeiro às clínicas privadas, em 2001, e – apesar de não haver nenhuma previsão no momento – pode ser que o mesmo ocorra com as demais.

A farmacêutica Ana Paula Zanatta avalia que a procura por vacinas do calendário infantil aumentou consideravelmente nos últimos meses na clínica. Ela atribui isso a uma movimentação significativa dos médicos, fabricantes e das outras clínicas particulares, no sentido de conscientizar a população sobre a importância de se vacinar e de complementar o calendário oficial (oferecido gratuitamente no Sistema Único de Saúde – SUS, por meio do Programa Nacional de Imunização).

Porém, ao contrário do que se imagina, ela ressalta que famílias com um melhor poder aquisitivo e com mais acesso à informação, preferem seguir apenas o calendário disponível no SUS. “Neste contexto, essa família – em geral – acredita que, caso a criança desenvolva alguma doença para a qual não foi vacinada, pode contar com plano de saúde e boas condições de prover os cuidados médicos necessários para a contenção e cura da doença. Vale lembrar que as vacinas do calendário particular atingem doenças altamente sequelares e letais, como no caso da meningite B”.

* Para mais informações sobre vacinas indicadas para cada faixa etária, doenças que previnem, entre outras dúvidas, acesse o site Família SBIm. O conteúdo também pode ser baixado em forma de e-book. O calendário brasileiro de vacinas, segundo a Sociedade Brasileira de Imunizações, para crianças de 0 até os 9 anos, também está disponível, de forma resumida, aqui.


Crédito da foto em destaque: Pixabay

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