Em entrevista, psicóloga fala sobre o papel da escola e dos pais na primeira infância; também dá dicas importantes para ajudar (e não atrapalhar) as crianças nessa fase…

A escola na primeira infância é um assunto polêmico. Há quem diga que o melhor é esperar os dois ou três anos da criança. Porém, há quem – definitivamente – não pode escolher. E precisa colocar o bebê de cinco ou seis meses na creche já, neste exato momento. Existem mães e pais que recomendam, inclusive, que a criança vá ainda bebê para a escola, alegando que depois de mais velha, ela consegue discernir melhor e pode sofrer mais na hora de se distanciar da família…

Fácil não é. Por isso, convidamos a psicóloga Karina Lopes Cabral, que atua segundo a abordagem junguiana, para “puxar nossa orelha”, esclarecer algumas dúvidas e nos ajudar a encarar os desafios dessa jornada escolar dos nossos pequenos…

Vamos lá? 😉

 

DNJ: Se a mãe ou o pai puderem escolher, qual a melhor idade para colocar as crianças na escola?

Karina Lopes Cabral: Como você bem pontuou, o mundo moderno não disponibiliza muitas escolhas aos pais e hoje é muito comum a criança ir para a escola antes do primeiro ano de vida. Do ponto de vista do desenvolvimento infantil, é por volta dos três anos que a criança desenvolve sua cognição, ou seja, é nessa fase que ela desenvolve habilidades de memória, linguagem, raciocínio, atenção, entre outros.

Quando a criança desenvolve a linguagem e a comunicação, em geral, começa também seu desenvolvimento social e, teoricamente, está mais apta à aprendizagem. Essa é uma visão geral, de parte da teoria do desenvolvimento infantil.

Porém, acrescento que meu olhar para o ser humano não é generalista. Eu vejo que cada indivíduo é único, com necessidades diferentes, independentemente da idade.

Então, quando você pergunta: “qual a melhor idade para colocar a criança na escola?”, eu respondo: Depende! Depende da criança, depende da necessidade da família, depende do contexto familiar, depende da expectativa do pai e da mãe.

É tudo muito relativo. Mas a partir dos três anos, em geral, a criança está mais estruturada cognitivamente, para encarar esse novo desafio.

DNJ: Quando a criança é maior e já entende mais, ela resiste mais a ida à escola? Quando é bebê, essa resistência é menor?

Karina: Não entendo a idade da criança como fator determinante na resistência a ida à escola. A resistência à escola, do meu ponto de vista, está muito mais associada à qualidade de vínculo afetivo que a criança estabelece com pai e mãe.

Partindo da premissa de que há uma qualidade de vínculo muito positiva entre a criança e sua mãe e seu pai, podemos pensar que quanto mais nova a criança, mais esse vínculo está no começo de sua construção.

Imagine um bebê de seis meses, que é pura ligação materna e que apenas começa a construir vínculo com o pai de maneira mais significativa. Colocá-lo na escola vai ter um grande impacto, do ponto de vista emocional. É aos poucos que esse vínculo vai se estruturando e a criança vai criando segurança em “sair do colo” de pai e mãe.

Agora, se a qualidade desse vínculo afetivo for negativa, frágil, precária, a criança não terá condições emocionais de se entregar a novos vínculos e claro que isso irá refletir em sua vida escolar, bem como em todos os contextos de sua vida.

DNJ: É normal a criança chorar muito nos primeiros dias ou no primeiro mês? Quando é motivo de preocupação?

Karina: Claro que é esperado a criança chorar nos primeiros dias de aula, pois o novo assusta. Ir para a escola, representa o desenvolvimento de novos vínculos e novas experiências. Até então, o contato social da criança, limitava-se à família.

A escola vem como uma grande expansão social. É difícil para a criança encerrar um ciclo e começar outro. Na verdade, isso é difícil para qualquer ser humano, imagina para uma criança que apenas começa essa jornada.

Mas chorar muito durante dias e semanas é um termômetro de que mãe e pai têm, para avaliarem a qualidade do vínculo afetivo que está sendo desenvolvido e, até o momento, estabelecido, entre eles e seus filhos e filhas.

Crianças inseguras, que não querem desgrudar da mãe, que só querem ficar no colo, com certeza, vão denunciar que a qualidade desse vínculo afetivo não está positiva.

Quando escuto um pouco do contexto familiar, geralmente identifico fragilidades, inseguranças, medos, ausências, por parte dos responsáveis e isso tudo é projetado na criança, infelizmente.

DNJ: Qual o benefício da escola para o bebê/a criança?

Karina: No geral, a escola representa um novo ciclo na vida da criança, um novo passo para o seu amadurecimento cognitivo, social e emocional.

Quando a criança tem uma boa estrutura emocional familiar, com bons vínculos afetivos, a ida à escola proporciona crescimento em todos os aspectos.

Agora, para o bebê é complicado, pois ele apenas chegou ao mundo, todas as habilidades estão no início de desenvolvimento. O que ele mais precisa é de segurança e conforto familiar.

DNJ: A escola é também uma oportunidade para a criança se abrir para o mundo e deixar um pouco o ambiente superprotegido dos pais? Como você avalia esse cenário?

Karina: Sem dúvida a criança precisa da proteção dos responsáveis, mas, na minha visão, superproteção é sinônimo de controle.

Crianças superprotegidas não estão sendo ainda mais protegidas, elas estão, na verdade, sendo controladas.

Assim, a escola pode servir como um “respiro” para essas crianças (se a escola for uma referência positiva para a criança, é claro), mas nem de longe é papel da escola reparar o vínculo afetivo positivo, que cabe à mãe e ao pai estabelecer.

Proteção gera segurança e confiança. Superproteção gera insegurança.

 

DNJ: A escola também é uma oportunidade de mais tempo dos pais para si mesmos? Como avalia esse cenário?

Karina: Avaliando a dinâmica atual, as crianças vão para a escola enquanto mãe e pai estão no trabalho, sejam estes casados ou divorciados. Mas se você coloca a situação para os que ficam em casa, se mãe ou pai precisam colocar a criança na escola, para terem mais tempo para si, é sinal de que tem algo desestruturado nessa dinâmica familiar.

Há outras formas de mãe ou pai criarem tempo para si mesmos, e isso requer organização familiar, diálogo entre o casal, desapego dos filhos, confiança em quem irá cuidar da criança neste período, etc.

DNJ: Quando é possível escolher, o período integral é recomendado?

Karina: Penso que criança precisa experimentar o mundo. Passar o dia todo entupido de atividades dentro da escola, é uma baita sacanagem.

DNJ: Quais as dicas na hora de escolher a melhor escola?

Karina: É importante valorizar escolas que prezem pela qualidade das experiências e respeitem que o conhecimento é construído de acordo com a individualidade de cada ser, e não as que passam a ideia de que ensino é um acúmulo de conteúdos passado pelo professor, como ocorre, infelizmente, na maioria das escolas.

É triste perceber que a maioria dos adultos, valoriza quantidade de conteúdo, métodos apostilados, escolas com dezenas de atividades, como se isso fosse aprendizagem.

A criança mal chegou ao mundo e já está sendo formatada em acúmulos de informações e privada de descobertas. Esse movimento é uma grande agressão à criatividade, espontaneidade, fantasia e exploração do mundo natural da criança. Veja o exemplo: Ela não concluiu o ciclo da primeira infância e já faz judô, natação, inglês, ballet, futebol, vôlei, enfim, têm uma agenda tão atribulada quanto a de um adulto.

DNJ: Se a criança tem dificuldade para assimilar um conteúdo, quando é hora de se preocupar? Qual a idade para se identificar um transtorno de aprendizagem? Em que os pais devem ficar atentos?

Karina: Quando mãe, pai e professores estão atentos, as dificuldades de aprendizagem são percebidas facilmente, desde a alfabetização. E, é obvio que, quanto mais cedo a percepção, menos prejuízo a criança acumula. Porém, as pessoas usam alguns termos de maneira aleatória, mas existe grande diferença entre os conceitos de dificuldade, problemas, distúrbios e transtornos de aprendizagem.

Por não ter um exame específico de diagnóstico para os transtornos e distúrbios, é essencial que a avaliação da criança envolva uma equipe multiprofissional, envolvendo, psicólogo, neurologista, fonoaudiólogo, psiquiatra, oftalmologista e demais profissionais que se façam necessários. Isso, considerando cada caso, para o auxílio de uma avaliação respeitosa com a criança.

Hoje, o que ocorre, é uma grande rotulação das crianças; os índices de transtornos de aprendizagem são altíssimos e isso ocorre porque as crianças são muito mal avaliadas.

Por exemplo: Quantas crianças passam por 10 minutos de consulta num neurologista? Em geral, é a mãe quem descreve alguns sintomas e, depois da consulta, sai do consultório com uma receita de Ritalina (medicamento desenvolvido para crianças com transtorno de atenção ou déficit e hiperatividade)…

É chocante saber da quantidade de pais que preferem medicar a criança, porque assim, os problemas aparentemente se resolvem. Porém, na maior parte das vezes, a questão envolve grandes conflitos emocionais da família.

É claro que os distúrbios existem, mas nem de longe, na proporção em que é divulgada e, ainda pior, medicada.

Se a criança apresenta dificuldade em assimilar um conteúdo, antes de se preocupar com rótulos de transtornos, exclua as possibilidades que possam estar influenciando na dificuldade de aprendizagem, como por exemplo: A criança está enxergando e escutando bem? O sistema de ensino adotado pela escola respeita a diversidade das crianças? Existe algum conflito emocional no ambiente familiar? Essa criança é muito cobrada?

Existem muitos fatores a serem considerados, antes de rotulá-la com um transtorno! Muitos pais e mães sentem-se confortáveis quando a criança ganha um rótulo, pois assim não precisam acessar seus próprios conflitos. Essa é uma triste realidade.

DNJ: Quando a escola, realmente, passa a ter o papel de ensinar e não apenas de integrar as crianças?

Karina: Minha visão é que a escola é um lugar com grande potencial para estimular o conhecimento e a aprendizagem, desde a pré-escola.

O problema está na realidade da escola como espaço conteudista, formatado, onde crianças uniformizadas vão também se uniformizando na vida.

Olhando por esta perspectiva conteudista, a escola passa a ensinar a partir do momento que começa a passar os conteúdos: números, cores, letras, alfabeto, e por aí vai.

O importante é ficar atento para este questionamento: Ela ensina conteúdo, mas estimula o conhecimento e a aprendizagem, respeitando o ritmo, a individualidade de cada criança? Essa questão tem muito mais valor, pois uma escola preocupada com esses valores, ensina e integra ao mesmo tempo.

Mais informações:

Psicopedagogia: É uma área do conhecimento construída a partir dos saberes e práticas da Psicologia e da Pedagogia, realizando uma interlocução entre educação e saúde. Em teoria, o profissional psicopedagogo tem um conhecimento mais abrangente da relação do indivíduo com os processos de aprendizagem e suas dificuldades. Seus principais campos de atuação são na área Institucional e Clínica. É uma área nova, chegou ao Brasil por volta dos anos 60 e começou a ser estruturada entre as décadas de 70 e 80, logo, ainda há muito a ser desenvolvido. Sua atuação na área clínica, geralmente, acontece de maneira multidisciplinar.


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Karina Lopes Cabral é psicóloga clínica, segundo a abordagem junguiana, com especialização em psicopedagogia.


Foto do cabeçalho: pixabay.com