Que a reflexão e as homenagens sejam por causa da paternidade – tão necessária para o desenvolvimento das nossas crianças –, sem machismos, idealizações ou “faz de conta”

Em tempos de múltiplas famílias, é difícil estabelecer um dia para a mãe e outro para o pai. Como se no restante dos dias não fossemos mães e pais. Ou, então, já que é o dia dos pais que se aproxima, como se todas as figuras paternas do mundo fossem homens durões e estereotipados. Aqueles do passado, traduzidos nas lembrancinhas que fazíamos na escola… sabe aquelas dobraduras dos paletós e gravatinhas?!

Às vezes, ainda caímos nessa, como se fossem menos pais aquelas figuras que, não são exatamente homens e pais, mas que exercem um papel fundamental na vida dos nossos pequenos.

Sabe… O avô que precisa ser o pai? Ou o tio? A própria mãe que exerce os dois papeis? Ou o pai que, além de pai, também precisa ser mãe? E o que dizer das famílias constituídas por duas mulheres ou dois homens? Como enquadrar todos num dia só dos pais?

Para nós, o segundo domingo deste agosto precisa ser real. Então, por que não comemoramos o dia da paternidade?! Sim, porque ela é essencial e faz toda a diferença na vida dos nossos filhos, especialmente na primeira infância, mas não precisa ser só dos pais. Afinal, nem sempre é o homem, de “gravatinha e paletó”, que a exerce.

A ciência já comprovou que a figura paterna é indispensável na formação da criança. É o lado da interdição e dos limites, dosado com amor, carinho, acolhimento e participação ativa nas alegrias e dores dos pequenos.

A resignificação

“Antigamente, o pai era aquele modelo ‘homem das cavernas’, que saía para caçar, buscar o alimento para suas crias e pronto; era um provedor”, lembra a psicóloga Natália Castanha. Hoje, no entanto, o cenário é outro.

Segundo ela, a criança precisa da referência paterna e materna, independentemente de gênero, se feminino ou masculino. “Precisa da função materna para o acolhimento, o aleitamento, para esse processo feminino de colo, e precisa da função paterna, para essa parte de interdição e dos limites. São dois papeis diferentes e complementares, não necessariamente impostos à mãe e ao pai”, completa.

Ela explica que na Psicologia Analítica de Carl Gustav Jung, todos – independentemente de gênero – temos dentro de nós duas energias psíquicas. A feminina, a anima, que acolhe, que é mais flexível e mais introspectiva; e masculina, a animus, aquela que interdita, que é diretiva e que controla. “O bacana é que o pai não fique só nesse papel durão, do masculino, de interditar. Ele precisa acolher as crianças, ouvi-las e dialogar com elas, porque isso também faz parte da paternidade. Da mesma forma, a mãe pode e deve interditar, agir com autoridade e não ser aquela mãe omissa”, acrescenta.

“O pai do selfie”

A expressão de Marcos Piangers, autor do best seller “Papai Pop”, ilustra bem a figura do pai de fim de semana, especialmente vivido em famílias com pais e mães separados. É o pai auxiliar, da diversão e do lazer. Aquele que leva para tomar sorvete, para o cinema, para a praia, tira muitos selfies e… só.

“Mas e levar no médico? E as apresentações da escola? E participar do dia a dia do filho? E ouvir as angústias? E ir ao psicólogo do filho conversar sobre as angústias dele? Os pais, todos eles, precisam entender que não são auxiliares. Eles têm uma função. De cuidar, educar, acolher, amar. E isso, mesmo em famílias com pais separados”, aponta Natália. Ela revela que, no começo da infância, os filhos adoram o “pai do lazer”. Colocam-no num pedestal, afinal, tudo na casa do pai, pode. “Nessa fase, as crianças não querem escola, nem disciplina. Querem lazer. Mas, quando a criança começa a entrar na adolescência, toma consciência de que esse pai está faltante. O lazer e os presentes não são suficientes. Fica a falta dessa referência masculina, o que prejudica o desenvolvimento, porque não conseguem se apropriar deste masculino/animus dentro de si.”

Mãe, pai e seus copos

“É como se a mãe e o pai tivessem cada um o seu copo e precisassem preenchê-los sem transbordar. Se um dos dois não preenche, fica esse vazio”, exemplifica Natália.

Segundo ela, na maioria das vezes, um acaba não preenchendo o copo e o outro – na tentativa de compensar esse vazio – faz o seu transbordar.

“Nesse caso, a criança vai ter dois prejuízos. De um lado, fica mimada, por conta do excesso e da superproteção. E de outro, permanece com a falta de um dos dois, afinal, um dos copos continuou sem ser preenchido. A consequência é que, em algum momento da vida, a criança vai precisar preencher esse copo”, explica.

Natália lembra ainda dos casos de mãe solo: “Mesmo que seja uma mãe sem o pai. O avô, por exemplo, pode fazer o papel paterno e é importante reconhecer que isso ajuda no desenvolvimento da criança do mesmo jeito. Se ele preencher o copo, ela vai conseguir se desenvolver e ter referência. E, da mesma forma, tem que ter alguém que faça a função materna. Nada em excesso, mas em equilíbrio”.

Os danos da ausência

Se o vazio veio por parte do pai ou da figura paterna, as consequências podem ser bem sérias e complicadas.

“O que eu percebo é que, na maior parte dos casos, as crianças crescem, se tornam adultas e vão tentar preencher esse vazio em relacionamentos amorosos. Por exemplo, tive pacientes mulheres que depositavam muita expectativa em seus relacionamentos e exigiam mais do que podiam dar, o que gerava uma dependência do outro, uma dependência do masculino, uma submissão”, revela a psicóloga.

E ela continua: “No caso do homem que cresceu sem um pai presente, além de ficar sem a referência paterna, muitas vezes, nutre – inconscientemente – uma raiva e um ódio muito grande por esse pai. Revolta-se, insiste em ser o contrário e nega tudo o que vem desse pai. Só que esse adulto esquece que também tem aspectos desse pai dentro dele e, negá-los, é negar uma parte de si próprio. Dessa forma, cresce e não consegue ser, de fato, quem é”.

Além de todos esses danos, a falta do amor paterno ou materno é ainda pior.

“A criança cresce sem autoestima. Cresce pensando que não é merecedora de amor. Sente-se rejeitada. Isso acontece quando os pais priorizam o trabalho ou um jogo de futebol, por exemplo. A criança fica como a preterida. O segundo plano. E cresce tentando chamar a atenção desses pais”, alerta.

Paternidade não é masculinidade

Para a psicóloga Natália Castanha, o “Dia dos Pais” é momento de refletir sobre a paternidade. Não aquela idealizada, mas a real. “É importante que os pais ou as pessoas que exercem esse papel deixem o machismo de lado e se entreguem para a paternidade. Curtam desde a gestação e aproveitem essa fase para gestarem dentro de si o pai que gostariam de ser ou que conseguirem ser. Não precisam seguir a paternidade do pai de vocês, porque na geração passada, é difícil encontrar pais que se entregaram ou que tiveram a permissão da sociedade para isso. Ao contrário, olhem para quando vocês eram filhos. Revisitem vocês como filhos. Que pais gostariam de ter tido? Qual o pai que vocês precisavam na infância e na adolescência? Quais pais vocês desejavam? Lembrem-se: não se trata de culpar os pais, mas de fazer com que essa reflexão os ajude a serem os melhores pais que conseguirem ser. E aproveitem, entreguem-se”.

Dia da paternidade

No próximo domingo e também em todos os dias do ano, é necessário reconhecer e valorizar o papel da paternidade nas vidas de nossos pequenos.

E a psicóloga faz um pedido: “Que os homens que geram a vida, também possam se apropriar dessa paternidade. Por que a mulher que não planejou uma gravidez, consegue assumir a maternidade e o pai fica ausente? É preciso que eles queiram e façam a paternagem. É importante que os homens, principalmente, amadureçam nesse sentido. Ou, se não for possível, que alguém possa exercer a paternidade na vida da criança. Que seja um avô, um tio”.

Qual o presente para os pais?

Um dos piores momentos na vida das crianças que não têm os pais presentes é quando precisam fazer uma lembrancinha na escola ou alguma apresentação para homenagear a data. É doloroso. Nesse caso, a dica da psicóloga é reconhecer a multiplicidade de famílias que temos hoje e não ficarmos reduzidos ao estereótipo de família perfeita, aquela das “propagandas de margarina”.

“Minha dica para as escolas é que peçam aos alunos para presentearem aqueles que fizeram a função da paternidade em suas vidas. Que os presentes não sejam os modelos de gravatinha, paletó e bigodinhos… e possam ser oferecidos para outras pessoas, também para um avô, uma mãe ou quem quer que seja. É fundamental reconhecer que nem toda mãe faz a função materna e nem todo pai, a paterna”.


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