Para a psicóloga Natália Castanha*, além do amor aos filhos, o autoconhecimento dos pais** faz todo o sentido nos primeiros anos de vida das crianças

Diante de tantas exigências e expectativas, nem sempre as mulheres ou os homens conseguem ter saúde mental para serem mães e pais. Essa é a avaliação da psicóloga Natália Castanha. Segundo ela, mais importante do que seguir as regras que a sociedade impõe, são os pais conhecerem-se a si próprios e saberem seus limites. Depois disso, para a criança e os pais, basta o amor e o afeto.

A primeira infância, fase que vai do nascimento até os seis anos da criança, concentra grande parte do desenvolvimento do ser humano durante toda a sua vida. Tudo o que acontece nesse período tem influência direta em como serão esses novos adultos no futuro. Por isso, o foco não pode se perder.

A hora certa da mamada, a criança que ainda não dorme a noite inteira ou que não dorme no seu berço, aquela que não “pegou” a mamadeira, aquela que só quer o peito, aquela que não ganha peso como as outras, que ainda não anda, que ainda não fala… Isso tudo é importante, deve ser considerado, deve ser esclarecido com um especialista, mas nada disso é fundamental. Nessa entrevista, Natália fala da leveza necessária na maternidade e da simplicidade das relações.

Direto do Nosso Jardim: Qual o papel dos pais na primeira infância da criança?

Natália: Acredito que, nesse período, mais importante do que qualquer coisa é a mãe reconhecer seus próprios limites. Isso pode soar estranho, mas, às vezes, a mãe quer ser a “Mulher Maravilha” e depois fica cheia de culpa e expectativa com ela e a maternidade. Ouvi de um paciente uma frase e acho que, nessa situação, ela faz todo o sentido: “Antes de qualquer coisa, é necessário afinar os instrumentos”. A mãe precisa afinar a relação dela com a criança, dela com o pai e com a família. É necessário entender qual o som que sai dali… Por isso, digo que o mais importante é a mãe entender seu próprio limite, o pai também entender o limite dele e os dois juntos se respeitarem.

DNJ: Qual o impacto dessa fase?

Natália: A primeira infância é fundamental na formação da criança. Além de toda a parte cognitiva, motora e física, tem a formação pessoal, aquilo que fica guardado… as vivências. Por isso, é importante esse amor, esse cuidado. O bebê, desde o ventre materno, precisa se sentir amado e cuidado. É verdade que nesse período, a criança clama muito pelos pais chorando, porque é a forma que ela consegue se comunicar. Digo que esse não é o momento para impor limites… É sim a hora dos pais se entregarem do seu jeito a essa relação. Aos poucos, a criança vai entender os limites e aprender a aceitar as pequenas separações, que também serão importantes nessa fase da vida. Tudo o que acontece nessa primeira fase vai repercutir na próxima fase. O amor é fundamental.

DNJ: E se o bebê não come ou dorme sozinho, e se não fala, e se não anda ainda… Como “se entregar a essa relação” com tantas expectativas a atingir?

Natália: É uma reflexão. Realmente, existe muita expectativa, principalmente com relação à mãe, de que ela tem de “dar conta”. Às vezes, com tantas exigências e expectativas, o mais importante que é o afeto e o amor vão ficando de lado. É complicado dar conta de tudo. É verdade que as responsabilidades aumentam, que existem algumas regras que precisam ser seguidas… mas cada mãe é única. Cada mãe precisa encontrar o seu jeito de ser mãe. E cada pai, o seu jeito de ser pai, ambos dando amor e educação.

Talvez o maior presente para as crianças seja a saúde mental dos pais. Eles estarem em contato com eles mesmo, terem autoconhecimento, saberem seus limites, o que conseguem e o que não conseguem. O segundo maior presente é o amor. O terceiro a educação.

Em muitos momentos, vejo que as mães, em especial, ficam tão fixadas em cumprir as regras, enquadrar-se no que a sociedade diz que é ideal para as crianças e para elas próprias [ficar “magérrima” após a gravidez, por exemplo], que se esquecem de viver nosso momento mais “animal”… de procriar, parir, de poder lamber sua cria, dar de mamar e cuidar… Talvez as coisas evoluíssem de uma outra forma, se escutássemos mais esses instintos maternos, essa coisa de cuidado meio instintual. Parece mentira, mas, muitas vezes, ficamos tão focados no que a sociedade diz que é certo ou errado, em dar conta de tudo, que esquecemos o fundamental.

Acredito que é preciso se informar, ler livros sobre maternidade, tirar dúvidas com os médicos, ouvir experiências de outras famílias, se tiver fazendo terapia, levar isso para a terapia… Tudo isso é muito bacana e faz parte da gestação dessa criança. É preciso reconhecer que se está gestando uma criança e também uma nova família, uma nova mãe, um novo pai. Tudo o que se viveu está sendo resignificado: Até hoje quem era você e, depois disso, quem será você?

É bacana que os pais se conheçam nesse sentido e possam transmitir para os filhos aquilo que é possível. O mais legal é poder tecer, costurar tudo isso, entender o que é seu e refletir: Qual a sua forma de criar e educar uma criança? Qual a sua forma de costurar a sua colcha? Qual a sua forma de ser mãe ou pai? Quais são os seus limites?

 

* Natália Castanha é psicóloga, psicoterapeuta na abordagem Psicologia Analítica Junguiana, consultora em Recursos Humanos, palestrante e docente.

** Em toda a entrevista, quando dizemos mãe e pai, estamos  nos referindo a todas as pessoas que desempenham a função materna ou paterna, sendo ou não genitores.

*** Para mais informações sobre o desenvolvimento na Primeira Infância, clique aqui.


Crédito da foto em destaque: Pixabay

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