Especialista explica
Médica especialista em infectologia pediátrica explica como a Covid-19 tem impactado nas crianças; mostra-se favorável ao retorno das aulas ainda este ano em São Paulo; e explica o que é a Síndrome Inflamatória Multissistêmica Pediátrica
As consequências da Covid-19 nas crianças ainda são desconhecidas. Desde o início da pandemia, falava-se que apesar de não serem do grupo de risco, os pequenos poderiam atuar como transmissores da doença, especialmente para os mais idosos. Depois, casos de Síndrome Inflamatória Multissistêmica Pediátrica relacionadas ao Novo Coronavírus assustaram os pais. Recentemente, o Ministério da Saúde divulgou um boletim em que confirmou 117 casos da Síndrome no País, com 9 mortes de crianças e adolescentes.
Nessa entrevista, a infectologista Dra. Luciana Becker Mau, responde algumas questões sobre os impactos da Covid-19 nas crianças, dá algumas dicas e, de forma muito simples e objetiva, comenta sobre sua opinião sobre a volta às aulas, especialmente na Região Metropolitana de São Paulo.
Dra. Luciana é especialista em infectologia pediátrica e atua no Hospital Municipal Infantil Menino Jesus, em São Paulo (SP), na linha de frente do enfrentamento à Covid-19. O hospital recebe uma média de 69 mil consultas de crianças por ano (dados de 2017) e é administrado pelo Hospital Sírio Libanês. A médica também atua na Enfermaria de Pediatria do Instituto de Infectologia Emílio Ribas e faz parte do corpo clínico do Hospital Sírio Libanês e Hospital Israelita Albert Einstein.
Direto do Nosso Jardim: Há alguma novidade nas pesquisas com relação à transmissão da Covid-19 entre as crianças e por elas?
Dra. Luciana: Existem algumas pesquisas que apontam ser possível que as crianças – principalmente as menores de 5 anos – tenham um papel menor na transmissão do vírus. Porém, é difícil darmos isso como certo, porque ninguém sabe explicar exatamente o motivo disso e, como são pesquisas iniciais, é difícil colocar isso como regra.
DNJ: Pessoas assintomáticas podem transmitir a Covid-19?
Dra. Luciana: As pessoas assintomáticas podem sim transmitir a doença, mas sabemos que – caso elas estejam de máscara – isso fica muito mais difícil. É muito mais comum a transmissão por pessoas doentes, que acabam tossindo, espirrando e espalhando o vírus com muito mais frequência.
DNJ: Você acompanhou casos de crianças infectadas pela Covid-19 que apresentaram sintomas e/ou foram a óbito?
Dra. Luciana: Acompanhei diversos pacientes com Covid-19. Nenhum deles, porém, foi a óbito. A maioria apresentou quadro leve e foram internados por serem lactentes jovens (menores de 3 meses).
Dra. Luciana: Estou trabalhando, atualmente, no Hospital Municipal Infantil Menino Jesus. Desde o início da pandemia, tivemos 27 crianças confirmadas com a Covid-19, nenhum deles evoluiu para óbito. Poucos evoluíram com maior gravidade, mas todos já estão em casa e sem sequelas da doença.
Comparada com o que estamos vendo nos pacientes adultos, é uma situação bem diferente. O Hospital Municipal Menino Jesus é um serviço grande, que atende um número considerável de pacientes e, mesmo assim, tivemos pouquíssimos casos de Covid-19 positivo e que necessitassem de internação. Portanto, esse é um perfil bem diferente do que vemos com os adultos. É importante lembrar que uma parte dos pacientes confirmados com a doença também registrou a Síndrome Inflamatória Multissistêmica Pediátrica.
DNJ: O que é a Síndrome Inflamatória Multissistêmica Pediátrica?
Dra. Luciana: A Síndrome Inflamatória Multissistêmica Pediátrica é uma síndrome, de inflamação, associada à infecção prévia pelo novo coronavírus. Pode aparecer de dias a semanas após a infecção por Covid-19. Ela tem gravidade variável e pode acometer diversos órgãos.
DNJ: Qual sua opinião sobre o retorno às aulas das crianças?
Dra. Luciana: Eu sou completamente a favor do retorno das crianças à escola. Na minha opinião, existem formas de diminuir ao máximo o contágio. É obvio que evitar 100% do risco é impossível, mas existem formas de diminuir a chance de transmissão do Coronavírus dentro da escola, o que inclui algumas medidas, como afastamento dos grupos de risco (professores, funcionários, alunos e seus contactuantes domiciliares), distanciamento entre as pessoas, aumento da higienização, uso de máscara.
Tudo isso diminui o risco, a ponto de que, eu acredito, chegaríamos numa condição de aceitação do retorno às aulas. Estamos completando cinco meses de interrupção, o que é uma quantidade impressionante. As crianças têm ficado em casa e apresentado outras patologias, outros riscos. Eu acho que já é hora de começar a pensar nessa retomada. É claro que é preciso considerar o cenário de epidemiológico de transmissão do coronavírus em cada cidade. Acredito que já chegamos nesse momento na Grande SP.
DNJ: Pesquisas divulgadas na imprensa apontaram que as crianças infectadas com a Covid-19, mesmo sem apresentar sintoma, poderiam desenvolver outras anomalias ao longo de um certo tempo, como a própria Síndrome Multissistêmica Inflamatória Pediátrica. Isso pode se agravar com o retorno às aulas?
Dra. Luciana: As crianças podem sim apresentar infecção quase que assintomática pelo Coronavírus e apresentar depois o que se chama de Síndrome Inflamatória Multissistêmica Pediátrica. Mas, vale lembrar, que isso é uma doença rara no contexto geral. Pode até ser de maior gravidade, mas não leva a alta mortalidade. É importante lembrar que já considerávamos possível, razoável, aceitável, o risco de levar as crianças nas escolas pensando na infecção por vírus respiratório, influenza, sinsicial respiratório, por exemplo.
E esses vírus são de muito maior risco do que o Coronavírus para a criança. A citação em relação ao Coronavírus, hoje, especificamente para as crianças, é muito mais tranquila do que esses outros vírus. Além disso, devemos lembrar que a escola, ao adotar medidas para evitar a transmissão da Covid-19, é muito provável que também possa diminuir a transmissão por esses outros vírus. Então, teremos ganhos secundários com algumas mudanças que vão acontecer nas escolas.
DNJ: Nos casos em que as crianças precisam ter contato com avós (especialmente por conta das consequências psicológicas provocadas pelo isolamento), quais são as suas dicas?
Dra. Luciana: No caso das crianças que precisam ter contato com os avós, o ideal é que elas estejam assintomáticas há pelo menos de 10 a 14 dias antes desse contato. Ou seja, que façam uma quarentena mais rigorosa e tenham pouca chance de se expor ao vírus. Se a intenção é visitar os avós no interior, por exemplo, o ideal seria ficar de quarentena em casa toda a família (não só as crianças) por um período de 7 a 14 dias e, só então, ir sem sintomas e com mais segurança visitar os avós.
Por outro lado, se essa é uma rotina frequente, em que as crianças precisam manter mais contato com os avós, o ideal é que elas não tenham contato com pessoas mais expostas ao vírus, para que tenham menos chances de estarem doentes.
DNJ: Qual a sua opinião sobre as vacinas que estão sendo testadas no Brasil?
Dra. Luciana: Temos duas vacinas sendo testadas no Brasil: a vacina de Oxford e a Sinovac. Ambas são muito promissoras e devem estar disponíveis em breve. Lembrando que, “esse breve” é só para o ano que vem. Na melhor das hipóteses, caso realmente funcionem, talvez para o início de 2021. Com uma expectativa mais realista, lá pelo meio do primeiro semestre do próximo ano.
Dra. Luciana: É muito difícil o Novo coronavírus desaparecer por completo. Ser extinto. Dificilmente, vamos chegar num momento em que 100% das pessoas tenham imunidade com relação a esse vírus. Não acredito nisso, mas é possível que o Novo coronavírus diminua na população, a partir do momento em que grande parte das pessoas já tenha tido contato com o vírus. Mas, ser extinto não é a expectativa. A expectativa é de que ele se transforme num vírus que ocorre com regularidade. Temos é que aprender a conviver com ele de alguma maneira.
DNJ: Há alguma perspectiva de que essa pandemia termine neste ano?
Dra. Luciana: As expectativas mais otimistas em relação à vacina e as pessimistas com relação à aquisição de imunidade de rebanho, estimam uma diminuição importante da doença só para meados do ano que vem. Então, com certeza, chegaremos até o final do ano, ainda falando muito em Covid-19.
DNJ: Algumas pessoas estão tomando ivermectina para prevenir ou conter a doença. Isso pode fazer mal?
Dra. Luciana: Não há qualquer indicação do uso de ivermectina para prevenir o adoecimento ou o agravamento da Covid-19. Além disso, mesmo se o remédio for tomado na dose preconizada que diz que o ivermectina serve para alguma coisa, ainda assim pode fazer mal.
Veja outros textos e depoimentos de mães sobre o novo coronavírus.
Conheça os motivos que deram origem ao blog.
Contents
[…] presenciais pós pandemia. Outras se preparam para o retorno. Mas a verdade é que, embora alguns especialistas defendam a volta às aulas, ninguém sabe ainda quando [e se] as coisas vão voltar a ser como […]