Fernanda Monteiro*

“Filhos? Melhor não tê-los! Mas se não os temos como sabê-los?”

Vinicius de Moraes que me perdoe. Mas discordo bastante do poeta, nessa frase do poema Enjoadinho.

Pra mim, ter um filho não significa saber. Porque só sabe quem é, não quem tem!

Crédito: Cine Mater.

“Quem tem”, muitas vezes, não vive o dia a dia. “Quem é” está presente, é presença.

“Quem tem” não acompanha as mudanças. “Quem é” identifica com um olhar cada novidade. “Quem tem” se surpreende com evoluções que “quem é” viu, há tempos, em primeira mão.

“Quem tem” não conhece as preferências, não sabe o desenho que mais gosta, o melhor amigo da escola, a comida que é mais bem aceita. “Quem é” sabe até o que achava que não sabia, mas o instinto falou… Sabe, também, que tudo muda sem prévio aviso!

“Quem tem” dorme noites inteiras desde sempre. “Quem é” já se acostumou com o descanso interrompido e com jornada de trabalho normal no dia seguinte. Comemora apenas uma acordada na madrugada!

 “Quem tem” nunca se preocupou com a febre à noite, não ficou em claro velando o sono inquieto por causa de um nariz congestionado. “Quem é” cochila com a cria no colo, pro corpo reclinado do bebê ajudar na respiração.

Crédito: Arquivo pessoal.

“Quem tem” não faz ideia que o comportamento muda quando troca de mês. “Quem é” adianta tudo o que pode nos momentos mais calmos, à espera dos dias mais turbulentos.

“Quem tem”, muitas vezes, não se aprofunda no assunto filhos porque corre o risco de não ter mais o que contar. “Quem é” poderia defender uma tese de doutorado sobre esse estudo de caso. O tema é o preferido em várias rodas de conversa!

“Quem é” tem memória. De tudo! Leva armazenado num HD que sabemos que pode falhar na velhice. E rezamos para que o passar dos anos não apague nada…

O alívio está num backup acoplado do lado esquerdo do peito. O que o cérebro não resgatar, o coração acelera. E mostra que o sentimento está ali, pra sempre intacto! Com a certeza e a garantia de dias muito bem vividos e aproveitados.

“Quem é” viu e ouviu muita coisa! O silêncio da madrugada rompido pelo som do bebê mamando, os arrotos esperados ansiosamente, os gemidos durante as sonecas, os espasmos que pareciam sorrisos, o umbigo que caiu, o cabelo que mudou, a roupa que encolheu, o cocô que vazou. A pele macia, o toque, o cheiro, o colo! Olho no olho, num olhar profundo. De reencontro nessa vida!

“Quem é” comemorou como uma vitória cada quilo e centímetro mês a mês no pediatra. Viu rolar, viu pegar, viu sentar. Estimulou o engatinhar e vibrou com essa conquista. Agora, por aqui, estamos quase andando. Cada passinho desequilibrado arranca uma alegria que vem da alma. Aquela risada com misto de choro, de emoção.

“Quem é” já teve muitos desses momentos e sabe bem do que estou falando.

Não faço ideia se existe um vazio em “quem apenas tem”. Mas como “quem é” está completamente preenchido, até transbordando… dá sim pra imaginar o tamanho desse buraco.

“Quem tem” pode nunca se dar conta de tudo isso, do que não viveu, do que perdeu. Porque só “quem é” entende e vive o que é ser e, portanto, saber. Ter não significa ser!

Há um ano sou mãe. Na verdade, bem mais do que isso.

Crédito: Juliana Tursi.

* Fernanda Monteiro é jornalista, mãezona da Mariana, e madrinha deste blog. Nossos parabéns à pequena grande Mariana que completa um aninho hoje, dia 13 de fevereiro de 2018.


Crédito da foto do cabeçalho: Juliana Tursi.