Ana Carina da Fonseca*

Ser mãe é o sonho da maioria das mulheres. Sempre foi o meu também. Com 36 anos, decidi engravidar. Para isso, precisei me submeter a uma fertilização in vitro.

O processo foi bastante doloroso, com muitas injeções de hormônio, mas tudo era superado por minha vontade de ser mãe. Quando chegou o dia de implantar o embrião, eu estava muito eufórica e ansiosa. Sabia que podia não dar certo. Mas, na primeira tentativa, após fazer um BHCG para confirmação: bingo! O bebê estava lá, com seu coraçãozinho batendo a mil.

O sonho

Que felicidade! Tudo perfeito como nos meus sonhos!

Algumas semanas depois, fiz o exame de sexagem fetal e descobri que era uma menininha. Meu coração explodia de tanta alegria. Planejei tudo. Desde como ia ser com a sua chegada, a mudança em nossa rotina, até onde ela ia estudar e as viagens que íamos fazer juntas.

Meu pré-natal foi tranquilo, sem nenhuma intercorrência. Os ultrassons sempre estavam ótimos.

Maria Alice veio ao mundo em 5 de novembro de 2012. Fiz uma cesária por opção médica e tudo correu bem.

O susto

Após o parto e o período da anestesia, voltei para o quarto. Ela ainda não estava lá. O tempo foi passando e não tínhamos notícia nenhuma. Estávamos preocupados.

Uma enfermeira disse aos meus irmãos e à madrinha de minha filha, que a demora era porque Maria Alice estava fazendo alguns exames complementares. Suspeitavam de Síndrome de Down (SD) por conta de suas características físicas. Nesse momento, eles entraram em choque, mas ninguém me disse nada até que minha pequena chegasse aos meus braços.

Demorou, mas ela chegou. Na hora, comecei a notar alguns traços diferentes em seu rostinho. Foi quando sua madrinha me falou da possibilidade de ela ter SD. Ainda precisaríamos aguardar o exame do cariótipo (exame genético) para confirmar ou não, mas aquilo já me consumia.

Enquanto ela falava, sentia tudo girar ao meu redor. Uma dor quase insuportável tomou conta de mim. Chorei muito. Chorei pela incapacidade que eu imaginava que viria com a Síndrome de Down e por todo o meu “pré-conceito”.

Eu me questionava muito: E agora o que seria de nossas vidas? Como seria capaz de cuidar de uma menina assim? E todos os meus sonhos e planos?

O luto pelo filho perfeito realmente aconteceu. Foi inevitável, humano e necessário.

A vontade de vencer

No dia seguinte, porém, não sei se foi a soma de oxitocina com o apoio incansável da minha família, mas, enxuguei as lágrimas, tirei aquela nuvem escura de cima de mim e dei espaço à luz, à esperança e a muito otimismo. Havia ali uma bebezinha linda que precisava de mim.

Ainda no hospital, postei fotos dela no Facebook e comemorei sua chegada.

Já em casa, passei madrugadas em claro na internet em busca de informações sobre SD e seus cuidados.

Sabíamos que ela precisaria ser estimulada e acompanhada por profissionais, para que se desenvolvesse com maior autonomia possível.

Aos dois meses, nossa bebê já iniciava a terapia ocupacional e a fisioterapia. Fazíamos tudo o que os especialistas orientavam e mais um pouco.

Sem comparações

As surpresas vinham dia após dia. Os marcos do desenvolvimento iam sendo atingidos no seu tempo e isso nos enchia de orgulho. Aos poucos, fomos olhando para ela como um bebê e não como uma síndrome.

Comigo foi assim e acho que é muito natural. No início, olhamos para nossos filhos com Down e enxergamos neles somente a deficiência. É como se tudo girasse em torno dessa “deficiência”.

No nosso caso, ainda bem que mudamos logo o nosso foco.

Aos poucos, começamos a enxergar as habilidades e capacidades da nossa menina. Para nós, o importante era que hoje fosse melhor que ontem. Sem comparação, sem dramas.

Comparar nossas crianças é outra coisa muito comum entre nós, mães. Aprendi, no entanto, que cada criança é única, tenha ela uma deficiência ou não.

As privações

A visão da sociedade sobre a SD vem melhorando, mas ainda é bem ultrapassada. Antigamente, as pessoas com algum tipo de deficiência eram privadas do convívio social, da escola…

Como iam se desenvolver diante de tanta privação? Qualquer um de nós ficaria limitado nessas condições.

Hoje, essas pessoas estão inseridas na sociedade. Não como sonhamos, é verdade. Mas as oportunidades estão aí. O cenário está melhorando, assim como a visão das pessoas sobre a Síndrome de Down.

A educação

Maria Alice estuda desde os dois anos em uma escola regular. Desde o início, foi recebida com muito carinho, justamente como deve ser. Sendo vista como Maria Alice e não como uma inclusão.

É com esse olhar que a tríade, escola, família e profissionais, trabalha para dar suporte e incentivar o desenvolvimento de nossa filha.

O resultado tem sido muito positivo. Na sala de aula, ela acompanha seus amiguinhos nas mesmas atividades, sem adaptação.

Digo sempre a todos: ela é uma criança como outra qualquer, seu processador só é um pouco mais lento… Por isso, as informações direcionadas a ela devem ser mais claras e objetivas. No seu tempo, as respostas vêm. E ela nos surpreende.

Os outros

Com relação às outras pessoas, percebi que a nossa postura diante da nossa filha tem muita influência no modo como os outros a enxergam. Sempre agimos com naturalidade, por isso, todos a nossa volta agem assim.

Talvez também seja por isso que não sofremos nenhum tipo de preconceito e nunca percebemos nenhum gesto preconceituoso. Quase sempre, até esqueço que a Maria Alice tem SD.

O que percebo nas pessoas é falta de conhecimento. No início, me perguntavam se ela conseguia fazer isso ou aquilo. Eram coisas tão óbvias, que ela mesma demonstrava por si que conseguia fazer…

Nunca me chateei. Eu mesmo reconheço: antes de tê-la, imaginava umas coisas bobas dessas também…. rs

Além da minha filha, a maternidade me trouxe ainda muitos presentes. Falo de seres especiais que me ajudaram e me ajudam diariamente a viver e a olhar para os problemas com outros olhos. São pessoas que lutam junto comigo para que a Maria Alice se desenvolva, não desanime diante das dificuldades e viva cada vez melhor, brincando, se divertindo, distribuindo amor por onde passa e sendo sempre ela.

Falo de minha família, meus irmãos, meus amigos, dos profissionais que a acompanham e da Elaine – a babá que se tornou a melhor amiga da minha pequena. A eles só tenho a agradecer.

Acreditar sempre

O que eu posso dizer a todas as famílias que têm uma pessoa com Down é que acreditem! Deixem os estigmas e “pré-conceitos” de lado, vivam e a deixem viver também. Tratem-na como uma pessoa como outra qualquer.

Descobrirão nela um ser incrível e capaz, com uma pureza e um amor que contagiam todos a sua volta – até mesmo aqueles que perderam esses bons sentimentos.

Posso dizer com toda convicção que tudo o que planejei e sonhei durante minha gestação, venho realizando da forma mais prazerosa e mágica… Tudo de um jeito que eu nunca poderia imaginar.

Agradeço a Deus por ter me confiado essa menina tão especial. Perfeita pra mim e para todos que a amam!

A gravidez, o Down e a minha Maria Alice...
Crédito: Arquivo Pessoal.

* Ana Carina da Fonseca, farmacêutica, ariana e mãe da Maria Alice.

 


Mais informações

Três vivas para o bebê! – Guia para mães e pais de crianças com síndrome de Down – Cadernos Movimento Down.

Legislação e Direitos das Pessoas com síndrome de Down.

Cuidados de saúde às pessoas com síndrome de Down.

Movimento Down.

Federação Brasileira das Associações de Síndrome de Down.

Fundação Síndrome de Down.

Edição: Deize Renó