Nutricionista fala sobre os benefícios do leite materno, orienta sobre como seguir sem ele (se for necessário) e dá dicas para que não só o bebê, mas toda a família, tenham bons hábitos alimentares
Muito se ouve sobre o que pode e o que não pode fazer nos primeiros meses de vida do bebê. O leite é, na maioria das vezes, a grande preocupação, especialmente, para as mães. A fase inicial da amamentação pode ser dramática e, infelizmente, nem sempre ela é possível – apesar de inúmeras tentativas. E aí vem o questionamento: substituir por qual leite? Nessa hora, os conselhos e as opiniões surgem aos montes. Para os mais antigos, o leite de vaca é o melhor… “todos os meus filhos beberam e nenhum deles morreu” – é a justificativa mais comum.
Recentemente, veio à tona o caso de um bebê de sete meses que faleceu na Bélgica, porque – segundo foi divulgado pela imprensa – seus pais acreditavam que ele tinha intolerância a glúten e lactose e, sem orientação médica, decidiram dar a ele produtos alternativos, compostos por leite de quinoa, arroz, aveia e outros. Os pais foram processados e presos.
Após os seis meses da criança, vem a introdução alimentar e, junto com ela, mais dúvidas e mais preocupações. Para fazê-la, existem muitos métodos e técnicas. Há quem defenda as papinhas com alimentos amassados ou quem incentive os pequenos a comerem com suas próprias mãos. Cada bebê (e cada família) se adapta a um método ou cria o seu próprio.
Nesta entrevista, a nutricionista pediatra Maria Carol Marrano* esclarece dúvidas e desvenda mitos sobre amamentação e introdução alimentar. Fala sobre a dieta da mãe que amamenta, os leites, a polêmica dos sucos, o método BLW**, o cardápio da escolinha, os orgânicos e muito mais. Apesar de haver muitas recomendações – o que é ideal fazer e o que não é aconselhável – ela acredita na leveza das relações: “Tudo o que é muito neurótico não funciona”. Confira!
DNJ: Do ponto de vista nutricional, quais os benefícios da amamentação?
Maria Carol Marrano: A amamentação está totalmente ligada aos hábitos alimentares que a criança terá no futuro, por isso, é tão importante até os seis meses – de forma exclusiva – e até os dois anos ou mais – de forma complementar. O leite materno é o alimento ideal para o bebê e vem na forma perfeita para suprir todas as suas necessidades. Além de todos os benefícios ligados à saúde, como prevenção de doenças, há inúmeras outras vantagens, como estimular o bebê a desenvolver a saciedade, o que será fundamental na prevenção da obesidade.
Crianças amamentadas no peito, ao contrário do que muita gente pensa, também demonstram uma facilidade maior no momento da introdução alimentar, após os seis meses. Mamar no peito ainda estimula o músculo facial e desenvolve melhor a arcada dentária. O leite materno é natural e não sofre influências externas, como o leite colocado na mamadeira, que exige uma higienização rigorosa e constante. Sem contar tudo isso, segundo vários estudos, para a mãe, amamentar reduz os riscos de câncer de mama e favorece o retorno do útero ao tamanho normal.
DNJ: Se a mãe que amamenta não cuidar da sua própria alimentação, isso pode prejudicar o bebê?
Maria Carol Marrano: Estudos apontam que as crianças amamentadas por mães que consomem grande quantidade de gorduras trans, têm mais tendência a desenvolver obesidade na fase pré-escolar do que uma criança amamentada por uma mãe que tem uma alimentação saudável.
Hoje, fala-se muito sobre os primeiros 1.000 dias do bebê. São eles que vão selar a vida da criança a partir dos dois anos. Para se ter uma ideia, é possível mudar a genética da criança nesses dois anos. A criança, que nasce de baixo peso, por exemplo, pode ser um adulto saudável se houver um cuidado e um acompanhamento maior nesses 1.000 dias… que vão da gestação até o 2º ano.
DNJ: Recentemente, foi divulgado o caso de uma criança que morreu com sete meses, porque os pais davam alimentos sem glúten e lactose para ela. Qual a sua opinião sobre isso?
Maria Carol Marrano: É importante ressaltar que, ao contrário do que foi dito por aí, não foi a dieta sem glúten e lactose que trouxe a morte da criança e sim a falta de conhecimento do pai e da mãe. O erro deles foi a neurose de achar que aquilo que estavam vivendo, que fazia bem para eles, poderia fazer bem para a criança. O que houve foi a falta do leite materno (ou de um leite de fórmula com composição similar) e a introdução errônea dos leites de vegetais. Na verdade, nos primeiros meses do bebê, ele não vai consumir glúten. Dificilmente, vai consumir farinha de trigo. Então, não foi a falta do glúten que gerou tudo isso. Foi a falta de conhecimento. Falta de um acompanhamento médico.
DNJ: Qual o principal substituto para o leite materno se a mãe não consegue amamentar? Pode dar leite de vaca?
Maria Carol Marrano: Na falta do leite materno, o leite de formula é o ideal. Outros leites, como o de vaca, podem trazer sérios problemas no futuro, como diabetes, tendência de aumento de glicemia, alergias…
DNJ: Quando deve acontecer a introdução alimentar do bebê?
Maria Carol Marrano: A criança só está preparada fisiologicamente para receber outros alimentos a partir dos seis meses. Dessa idade em diante, o leite materno, sozinho, já não irá suprir as necessidades do bebê, por isso, devem ser oferecidos outros alimentos.
DNJ: Que alimentos devem ser priorizados?
Maria Carol Marrano: Começamos com fruta. Depois, legumes e verduras. E, aos poucos, vamos introduzindo o carboidrato, presente no arroz, no feijão, depois a proteína, na carne. É importante lembrar que o sexto mês, na verdade, é um período de adaptação. Os alimentos devem ser introduzidos aos poucos, observando possíveis casos de alergia. Além disso, a criança pode não aceitar o alimento inicialmente, porque está acostumada com o leite materno ou o leite de fórmula… Dificilmente, irá aceitar a comida logo de início. Por isso, é tão conflitante esse primeiro momento. A mãe tem muita expectativa, em geral, quer que o bebê sente e coma tudo. Mas isso raramente vai acontecer no inicio.
Maria Carol Marrano: É sensacional. Funciona muito. A criança come de acordo com a saciedade dela. Na verdade, isso já existe há muito tempo. Sempre foi muito recomendado, incentivar a própria criança a se alimentar sozinha e a sentir os alimentos com as mãos. O conceito disso é que a criança vai comer aquilo que ela consegue. O que você está dando para ela, de certa forma, força ela a comer. O arroz, por exemplo, um bebê não vai conseguir comer com as mãos, mas normalmente a gente coloca na papinha… Por isso, na fase inicial do BLW, a criança vai conseguir comer fruta em pedaços, batata, carne…
DNJ: Nessa fase, o arroz não é importante?
Maria Carol Marrano: Não, porque você acaba introduzindo outros carboidratos, como os tubérculos, que são a batata, a mandioca, o inhame, entre outros. Não faltará nada. O bebê vai comer exatamente o que ele consegue.
DNJ: Sabemos que não é só o bebê que precisa se adaptar ao método. E se a mãe não conseguir se adaptar?
Maria Carol Marrano: É simples, não segue. É só um método. Não quer dizer que se não fizer não vai dar certo… Cada criança e cada família são de um jeito.
DNJ: Há uma polêmica com relação ao suco. O bebê pode ou não beber?
Maria Carol Marrano: Poder e não poder são expressões muito fortes. Acredito que não tem necessidade de dar suco para o bebê, até porque não vai fazer falta. Tem aquela história do “suquinho” de laranja lima na mamadeira…
A verdade é que é mais fácil você cortar uma laranja e dar para o bebê. Ele vai aprender muito mais cognitivamente e ainda vai receber mais nutrientes… além da Vitamina C, vai consumir a fibra e vai aprender a mastigar. O suco é um facilitador, que, às vezes, acaba concentrando uma grande quantidade de açúcar. Por outro lado, também acho muito radical nunca dar suco… só não precisa ser frequente. Tudo o que é muito neurótico não funciona.
DNJ: Como os hábitos alimentares da família interferem nos hábitos das crianças?
Maria Carol Marrano: Em nutrição, quando atendemos pediatria, não atendemos só a criança, atendemos a família. Às vezes, é sim necessário mudar os hábitos do pai e da mãe. Não adianta colocar na mesa o que não pode comer e falar que não pode comer. A família não consegue mudar os hábitos na criança, se não mudar os seus próprios hábitos. Quando falo mudar hábitos alimentares, falo em uma alimentação normal, não restritiva. Não precisa fazer dieta, mas tem que ser saudável. Dieta tem dia para começar e dia para acabar. O que falamos aqui é reeducação alimentar. Em resumo, comer comida de verdade, evitar refrigerante e alimentos industrializados…
DNJ: E quando a mãe trabalha fora e não está 100% do dia com o bebê, como manter esse cuidado e garantir uma alimentação saudável na escolinha, por exemplo?
Maria Carol Marrano: Minha recomendação é “vá conhecer a escolinha”. Qual o cardápio? Quem faz? Vai conhecer a cozinha… Agora, é importante lembrar que, mesmo que a criança fique na escola o dia todo, a escola não vai formar os hábitos alimentares da criança, quem vai formar isso é a família.
DNJ: Qual a importância de consumir alimentos orgânicos?
Maria Carol Marrano: Seria ótimo se todo mundo tivesse acesso… Mas eles são, geralmente, caros e não têm em qualquer lugar. Sabemos que, no longo prazo, os alimentos com agrotóxicos – ou não orgânicos – podem levar ao câncer. No curto prazo, esses alimentos trazem o desequilíbrio de nossa flora intestinal, desregulando a produção de hormônios, desregulando a glicemia sanguínea… Quando a flora intestinal está desequilibrada, tudo o que você come de não saudável, é absorvido pelo organismo com muito mais facilidade. Para as mães, meu conselho é: procurem as feiras, o produtor rural, procure alimentos livres de agrotóxicos…
DNJ: Qual a dica para as mamães, aquelas que amamentam, dão leite de fórmula ou que estão fazendo a introdução alimentar agora…
Maria Carol Marrano: Confie na sua intuição. Se você tem alguma dúvida, procure um profissional capacitado. A maternidade não é tão linda como se imagina, mas também não precisa ser neurótica. Temos um senso intuitivo muito grande. Quando falo mãe, quero dizer pai também, genitores ou não, mãe ou pai de coração, que desenvolvem laços, sejam adotivos ou gerados… Todos precisam se envolver e, o principal, sem neurose, sem terrorismo.
* Maria Carol Marrano é mãe de duas princesas, a Maria Beatriz e a Maria Laura, de 16 e 12 anos. É nutricionista pediátrica, especializada em doenças crônicas não transmissíveis, com cursos de extensão em cardiopatias e doenças metabólicas, alergia alimentar, nutrição escolar e nutrição funcional. Facebook: @mariacarolmarrano
** O BLW (Baby Led Weaning, desmame em que o bebê lidera, traduzido do inglês) foi criado pela britânica Gill Rapley, consultora em saúde e autora do livro Baby-led Weaning: Helping Your Baby To Love Good Food (“Baby-led Weaning: ajudando seu bebê a amar boa comida”, em português). O termo refere-se a um método em que a introdução alimentar é feita sem papinhas e sem utilizar utensílios domésticos. A criança é incentivada a comer com as próprias mãos aquilo que consegue.
Obs. Para mais informações sobre a amamentação e a alimentação complementar, acesse aqui os Cadernos de Atenção Básica, do Ministério da Saúde.
Crédito da foto em destaque: Pixabay
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